O legado de Caio Prado Jr.
Paulo Teixeira Iumatti, da USP, lança nesta quarta-feira (17/10), em São Paulo, a primeira biografia de um dos maiores pensadores brasileiros, autor de Formação do Brasil Contemporâneo e Revolução Brasileira
Claudia Izique escreve para a Agência Fapesp:
A Editora Brasiliense lança nesta quarta-feira (17/10), às 19h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, o livro Caio Prado Jr. Uma trajetória intelectual, a primeira biografia de um dos maiores pensadores brasileiros.
O autor, Paulo Teixeira Iumatti, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), tem estudado a obra e o pensamento de Prado Jr. desde o início de sua carreira acadêmica em projetos com apoio da Fapesp. Além de artigos publicados na imprensa e em revistas acadêmicas, Iumatti é autor de Diários Políticos de Caio Prado (Brasiliense, 1998).
No novo livro, Iumatti avalia o impacto de Caio Prado Jr. na historiografia brasileira, detendo-se na análise da sua principal obra, Formação do Brasil Contemporâneo (1942), e de seu primeiro livro, A Evolução Política do Brasil (1933).
A trajetória intelectual e política de Prado Jr., o contexto sociocultural que forjou seu pensamento e a repercussão de sua obra no debate político e intelectual no país nas últimas décadas são outros enfoques do livro.
Iumatti também aborda fatores que considera de ordem pessoal. A exclusão desses seria possível, mas empobreceria o alcance do trabalho, uma vez que o público e o privado estão, nesse momento, estreitamente ligados, disse Iumatti à Agência Fapesp.
Burguês comunista
Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em 11 de fevereiro de 1907, filho de família que fez fortuna com a cafeicultura no oeste paulista na segunda metade do século 19. Formou-se em direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, em 1928, e foi membro do Partido Democrático (PD).
Cinco anos depois, publicou Evolução Política do Brasil (1933), que marcou o rompimento com a democracia burguesa e sua evolução liberal nas palavras de Florestan Fernandes , selando o alinhamento com o marxismo e o compromisso que manteria até o fim da vida com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Evolução Política do Brasil tinha um tom de afrontamento e de sectarismo, na avaliação de Iumatti. O seu subtítulo Ensaio de Interpretação Materialista da História do Brasil era um testemunho de que a ruptura avançara tão longe, que não evocava uma ovelha negra convencional, mas um pensador revolucionário, com o qual a sociedade burguesa teria de se haver, escreveu o sociólogo Florestan Fernandes no artigo Obra de Caio Prado Nasce da Rebeldia Moral, publicado pela Folha de S.Paulo dez meses após a morte de Prado Jr., em 23 de novembro de 1990.
De acordo com Fernandes, Formação do Brasil Contemporâneo revela um autor mais maduro, do ponto de vista intelectual e teórico, mais depurado como marxista e como historiador.
Como marxista, pretendia forjar uma obra-mestra, que servisse de fundamento para que as correntes socialistas e democráticas (especialmente o PCB) pudessem formular uma representação sólida das debilidades, do trajeto e dos objetivos específicos da revolução brasileira, destacou o sociólogo.
No livro, Prado Jr. combina a análise empírica com o desenvolvimento do método dialético para fazer uma interpretação do Brasil Colonial e da sociedade escravista, desmascarando os interesses da metrópole, dos senhores e da grande exploração mercantil.
Essa nova perspectiva de análise do colonialismo pautaria a discussão da inserção do Brasil no sistema capitalista, entre os anos 1950 e 1970, influenciando autores como Fernando Henrique Cardoso, Fernando Novais e o próprio Florestan Fernandes.
A idéia de que a colonização brasileira tem origem no capitalismo foi contestada, principalmente no PCB, que defendia a tese de que o Brasil tinha características feudais e que o caminho do socialismo deveria passar pela revolução democrático-burguesa.
Apesar das críticas, Prado Jr. nunca se afastou do partido que representou por um ano na Assembléia Legislativa de São Paulo, em 1947, antes que a legenda fosse colocada na ilegalidade.
Relação com a pesquisa
Como deputado, Prado Jr. foi responsável pela apresentação do projeto de criação da Fundação Paulista de Pesquisa Científica, em outubro de 1947, que deu origem à Fapesp. Na avaliação de Iumatti, a iniciativa decorreu da relação complicada que o intelectual mantinha com o financiamento da pesquisa.
Ele era membro da elite e sempre sustentou seus interesses na pesquisa, o que é possível constatar em consultas a seu livro-caixa, disse Iumatti.
Por outro lado, no exílio em Paris, entre 1937 e 1938, acompanhou de perto a constituição do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França, participou de congressos na Dinamarca e Holanda, forjando uma concepção moderna sobre o modo de produção do conhecimento científico e o acesso à pesquisa.
Ele tinha grande interesse pela epistemologia do conhecimento, explicou Iumatti. Da mesma maneira, reconhecia que a independência e a autonomia eram condições estratégicas para a pesquisa. São fatores que certamente contribuíram para que ele tivesse uma visão aguda sobre a questão do financiamento da pesquisa.
Cassado, Prado Jr. foi estudar filosofia e temas contemporâneos, como a questão agrária, concentrando suas atividades na Editora e na Revista Brasiliense, fundadas por ele. Seu livro de maior repercussão, na avaliação de Florestan Fernandes, foi a Revolução Brasileira, publicado em 1966.
Nessa obra, um desafio ousado à ditadura, de acordo com Florestan Fernandes, Prado Jr. também faz uma crítica severa dos desvios de rota da revolução socialista; o uso invertido e ditatorial do centralismo democrático; a simplificação grosseira da teoria e das práticas marxistas da luta de classes e da revolução em escala mundial.
Prado Jr. retoma o marxismo como um processo que nasce e cresce por dentro das classes trabalhadoras e na busca de sua auto-emancipação coletiva, por meio da construção de uma sociedade nova, segundo Florestan Fernandes.
No início da década de 1980, Prado Jr. adoeceu e não mais se recuperou. Deixou como legado uma nova maneira de pensar e de entender o Brasil.
(Agência Fapesp, 17/10)