218) Desconstruindo Ha-Joon Chang, um samaritano simplesmente equivocado
O Mito do Protecionismo Esclarecido
Rodrigo Constantino
Uma coletânea de falácias econômicas. Assim pode ser resumido “Maus
Samaritanos”, o novo livro do economista de Cambridge Ha-Joon Chang,
que é também o autor de “Chutando a Escada”. Ele tomou emprestada essa
expressão de Friedrich List, o economista do século XIX que defendia o
nacionalismo mercantilista. O novo livro de Chang ataca o livre
comércio e defende o protecionismo estatal, através tanto de subsídios
como de tarifas alfandegárias. O prefácio da edição brasileira foi
escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro das Finanças
durante o governo Sarney e adotou o congelamento de preços como meio
para combater a inflação galopante. Bresser denomina a estratégia
pregada por Chang de “novo desenvolvimentismo”. Na verdade, trata-se
do velho mercantilismo de List.
A principal tese do livro é que os países atualmente desenvolvidos
chegaram neste patamar de desenvolvimento graças ao protecionismo
estatal, e não ao livre comércio. Uma vez no topo, eles pretendem
“chutar a escada” e impedir o acesso aos demais países pobres. Contam
com um grande e poderoso aparato de economistas neoliberais – os “maus
samaritanos” – para defender essa estratégia. Assim, a privatização, a
redução da burocracia, um banco central menos politizado, a meta de
inflação, a abertura comercial e o equilíbrio orçamentário do governo
seriam medidas prejudiciais aos países pobres, defendidas pelos
neoliberais por auto-interesse ou ignorância. A “Trindade Profana”,
representada pelo FMI, OMC e Banco Mundial, seria o principal
mecanismo para derrubar essa escada de acesso ao desenvolvimento.
O desenvolvimentismo de Chang é muito similar ao nacionalismo de List,
economista que representava o oposto daquilo que Adam Smith defendia.
Contra a “mão invisível” do mercado, seria necessária a “mão
benevolente” do governo. O protecionismo de Chang é o mercantilismo
com um véu novo. Retirando o eufemismo, resta o velho dirigismo
estatal, a crença de que o Estado deve assumir a locomotiva do
desenvolvimento econômico. Friedrich List já dizia que somente onde o
interesse dos indivíduos estivesse subordinado ao da nação, haveria
desenvolvimento decente. A nação era vista como um ente concreto, com
desejos e interesses, que justificavam inclusive o sacrifício dos
indivíduos. Quem saberia dizer quais os verdadeiros interesses da
nação? Com certeza, os “sábios”, entre eles List. A glória futura da
nação valeria mais que tudo. Nesse aspecto ao menos, Hitler não foi
muito criativo.
O nacionalismo de Chang parece um marxismo exportado para nações. Os
países ricos exploram os países pobres. Portanto, as regras do jogo
não podem ser iguais. Seria injusto, segundo o autor, tratar da mesma
forma países desiguais. Os países ricos deveriam aceitar o
protecionismo dos mais pobres sem reclamar, pois são mais ricos.
Justiça, por esta ótica, é garantir um tratamento diferencial com base
na renda. Um dos problemas disso é que o protecionismo não beneficia
os países pobres, mas sim alguns grupos ricos desses países, à custa
do restante do povo. É análogo ao próprio marxismo dentro de cada
nação: atacar os mais ricos não favorece os mais pobres, e sim o
contrário. Outro problema desse raciocínio é que o protecionismo
seria, então, desejável dentro da nação também. Cada estado deveria
proteger suas indústrias para garantir seu desenvolvimento. A lógica
poderia continuar: cada bairro deveria fazer o mesmo, para estimular
seu desenvolvimento. Afinal, o que há de tão especial no conceito de
nação? No extremo, acaba-se na conclusão de que a auto-subsistência do
indivíduo pode ser desejável.
Chang parece confundir correlação com causalidade. Ele cita que fases
protecionistas e com intervenção estatal forte apresentaram bons
resultados, enquanto reformas neoliberais geraram crises. A falácia
desse raciocínio é que o crescimento desenvolvimentista apenas
hipotecou o futuro. O autor chega a defender abertamente essa
política, quando afirma que “faz sentido para um país em
desenvolvimento ‘emprestar das gerações futuras’, assumindo déficits
orçamentários para investir por seus próprios meios no presente e,
portanto, acelerar o crescimento econômico”. Após uma era de
crescimento artificialmente criado pelos gastos estatais sem lastro,
um duro ajuste se faz necessário. Mas Chang prefere condenar o
termômetro pela febre. Ele ataca os sintomas expostos pelo livre
mercado, em vez das causas plantadas pelo desenvolvimentismo. Não
obstante essa falácia estatística, resta questionar qual país não está
em desenvolvimento. O autor trata os países mais desenvolvidos como
países que chegaram ao patamar máximo de desenvolvimento, e não mais
tivessem que se desenvolver.
O autor defende até mesmo os programas de substituição das
importações, que nos remete ao caso brasileiro da “Lei da
Informática”, que condenou o país ao atraso tecnológico. Como pode ser
bom para o desenvolvimento de uma economia comprar verdadeiras
carroças pelo preço de uma Ferrari? Chang defende ainda que uma
inflação de até 40% ao ano pode ser desejável. Ele afirma: “A inflação
baixa e a prudência do governo podem ser prejudiciais ao
desenvolvimento econômico”. Dificilmente um brasileiro poderá
concordar com isso, se tem alguma memória.
O caso da Coréia, terra natal de Chang, é freqüentemente citado no
livro. Fica a impressão de que o protecionismo comercial seletivo e a
clarividência do governo foram responsáveis pelo sucesso relativo do
país, e não a maior abertura comercial e o investimento na educação,
respeitando-se a meritocracia. As falhas do modelo coreano acabam
transformadas pelo autor nas causas do sucesso. Nenhuma vez é citada
no livro a palavra “chaebols”, por exemplo. O autor fala da ajuda
estatal à Samsung, mas esquece que os grandes conglomerados ajudados
pelo governo estiveram no epicentro da grande crise de 1997. O modelo
da Coréia deu certo a despeito do protecionismo, não por causa dele.
Outra falácia comum praticada pelo autor chama-se non sequitur: de
premissas verdadeiras, ele conclui coisas que não seguem delas. Se há
protecionismo nos países desenvolvidos, então ele é causa do sucesso,
afirma Chang. No livro, “aprendemos” que Taiwan, Cingapura, Irlanda,
Estados Unidos, Inglaterra e Suíça são exemplos de sucesso do
protecionismo esclarecido, e que Argentina, Brasil e Rússia são casos
de fracassos do neoliberalismo. Quanta inversão!
O autor afirma que o livre-comércio pode trazer benefícios no curto
prazo, mas condena o país pobre no longo prazo. É justamente o
contrário: proteger empresas nacionais pode gerar algum ganho
artificial no curto prazo, mas sacrifica o desenvolvimento do país no
futuro.
Como todo desenvolvimentista, o autor se coloca sempre do lado do
poder. Ele parece acreditar que um “déspota esclarecido” irá decidir
qual protecionismo é desejável, e tomar medidas sempre com o
“bem-comum” em mente. O governante será clarividente e honesto, uma
espécie de “rei filósofo” platônico. Chang chega a afirmar: “O
desenvolvimento econômico requer pessoas como Henrique VII, que
constroem um futuro novo, em vez de pessoas como Robinson Crusoé, que
vivem o dia de hoje”. Em outras palavras, os indivíduos não conseguem,
através da sua liberdade, gerar desenvolvimento econômico por conta
própria. Eles precisam da sabedoria dos governantes, sob o auxílio dos
conselheiros, Chang incluído. A arrogância vem à tona quando o autor
diz: “O comércio é simplesmente muito importante para o
desenvolvimento econômico para ser deixado por conta dos economistas
do livre-comércio”. Ou seja, o comércio não deve ser livre, mas sim
controlado pelos economistas “esclarecidos”, os desenvolvimentistas,
como o próprio Chang. Apenas eles sabem quais são os “interesses da
nação”, e estão dispostos a sacrificar seus próprios interesses por
este fim.
O paternalismo está presente na mentalidade desenvolvimentista também.
O governo é o pai que ama seu filho – o povo, e que irá cuidar dele.
De fato, Chang usa a analogia para defender o protecionismo das
“empresas nascentes”, alegando que cuida de seu filho de seis anos,
protegendo-o da concorrência até sua maturidade. Getúlio Vargas, o
“pai dos pobres”, não faria uso de uma metáfora diferente. De fato,
esses paternalistas são mesmo os “pais dos pobres”, já que suas
políticas costumam parir muita pobreza.
Em um abuso da linguagem orwelliana, Chang chega a afirmar que,
“paradoxalmente, a política de livre-comércio reduz a liberdade dos
países em desenvolvimento que a praticam”. Bota paradoxo nisso! Como
um povo pode perder liberdade ao receber mais liberdade para escolher
de quem comprar os bens e serviços demandados, independente da
nacionalidade do vendedor? Eis um mistério que somente o “duplipensar”
pode explicar.
Chang entende os problemas da gestão estatal, como o uso do dinheiro
da “viúva”, o orçamento ilimitado e a falta de incentivos adequados.
Mas ele acha que o mesmo se dá no setor privado, na mesma escala. Para
defender esta estranha premissa, ele cita exemplos de fracassos no
setor privado, como a WorldCom, e supostos casos de sucesso de
empresas estatais, como a Petrobrás e Embraer no Brasil, e a POSCO na
Coréia. Ele apela para a falácia de usar alguns casos isolados para
concluir algo generalizado. Além disso, ele ignora o custo de
oportunidade, ou seja, como teriam sido utilizados os recursos
drenados pelo governo para sustentar por tanto tempo essas estatais.
Como já alertava Bastiat, existe aquilo que se vê e aquilo que não se
vê. Para a Petrobrás atingir uma tecnologia de ponta em águas
profundas, quanto custou ao país suas décadas de monopólio garantido
pelo governo? Como estaria o setor atualmente se o governo tivesse
permitido a livre concorrência desde cedo, incluindo empresas
estrangeiras? O caso da Embraer é ainda mais enganoso: o governo
sustentou a empresa deficitária por anos, e apenas com sua
privatização ela realmente deslanchou. A POSCO foi privatizada como um
conglomerado bastante ineficiente, que investia em diversos setores
sem ligação alguma.
A inversão que Chang faz em relação ao foco no longo prazo é total.
Para ele, apenas o governo tem esse foco, enquanto o capitalista quer
somente o lucro imediato. É justamente o contrário. O político foca
nas próximas eleições, pois precisa ser eleito para sobreviver como
político; enquanto o capitalista foca na maximização do valor presente
dos fluxos de caixa, muitas vezes distantes no tempo.
Para Chang, entre as principais causas da corrupção estão a baixa
receita tributária do governo e os salários baixos dos funcionários
públicos (que no Brasil ganham, na média, o triplo do que ganha o
setor privado). Reduzir as regulamentações, a burocracia e a
quantidade de recursos que transita pelo governo levaria a um aumento
da corrupção! Ele diz com todas as letras: “A corrupção normalmente
existe porque há muitas forças de mercado, não poucas”. A Rússia que o
diga! Ou o Brasil também, um país com problema crônico de corrupção e
um governo totalmente inchado. Chang parece defender o uso de
sanguessugas para curar a leucemia.
Chang se coloca como o “bom samaritano” em defesa dos países pobres,
mas, na verdade, ele é apenas o defensor dos ricos dos países pobres.
Seu discurso nacionalista e protecionista seria abraçado com
empolgação pelos grandes empresários da FIESP, por exemplo,
interessados em barrar a livre concorrência que vem de fora. Nenhum
“lobista” dos grandes grupos de interesse dos países pobres poderia
contar com um apoio mais sintonizado que aquele oferecido por Chang.
Após expor tantas falácias, pode-se concluir apenas uma coisa: com
“bons samaritanos” como o senhor Chang, os pobres dos países
subdesenvolvidos não precisam de inimigos!
Rodrigo Constantino
Uma coletânea de falácias econômicas. Assim pode ser resumido “Maus
Samaritanos”, o novo livro do economista de Cambridge Ha-Joon Chang,
que é também o autor de “Chutando a Escada”. Ele tomou emprestada essa
expressão de Friedrich List, o economista do século XIX que defendia o
nacionalismo mercantilista. O novo livro de Chang ataca o livre
comércio e defende o protecionismo estatal, através tanto de subsídios
como de tarifas alfandegárias. O prefácio da edição brasileira foi
escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro das Finanças
durante o governo Sarney e adotou o congelamento de preços como meio
para combater a inflação galopante. Bresser denomina a estratégia
pregada por Chang de “novo desenvolvimentismo”. Na verdade, trata-se
do velho mercantilismo de List.
A principal tese do livro é que os países atualmente desenvolvidos
chegaram neste patamar de desenvolvimento graças ao protecionismo
estatal, e não ao livre comércio. Uma vez no topo, eles pretendem
“chutar a escada” e impedir o acesso aos demais países pobres. Contam
com um grande e poderoso aparato de economistas neoliberais – os “maus
samaritanos” – para defender essa estratégia. Assim, a privatização, a
redução da burocracia, um banco central menos politizado, a meta de
inflação, a abertura comercial e o equilíbrio orçamentário do governo
seriam medidas prejudiciais aos países pobres, defendidas pelos
neoliberais por auto-interesse ou ignorância. A “Trindade Profana”,
representada pelo FMI, OMC e Banco Mundial, seria o principal
mecanismo para derrubar essa escada de acesso ao desenvolvimento.
O desenvolvimentismo de Chang é muito similar ao nacionalismo de List,
economista que representava o oposto daquilo que Adam Smith defendia.
Contra a “mão invisível” do mercado, seria necessária a “mão
benevolente” do governo. O protecionismo de Chang é o mercantilismo
com um véu novo. Retirando o eufemismo, resta o velho dirigismo
estatal, a crença de que o Estado deve assumir a locomotiva do
desenvolvimento econômico. Friedrich List já dizia que somente onde o
interesse dos indivíduos estivesse subordinado ao da nação, haveria
desenvolvimento decente. A nação era vista como um ente concreto, com
desejos e interesses, que justificavam inclusive o sacrifício dos
indivíduos. Quem saberia dizer quais os verdadeiros interesses da
nação? Com certeza, os “sábios”, entre eles List. A glória futura da
nação valeria mais que tudo. Nesse aspecto ao menos, Hitler não foi
muito criativo.
O nacionalismo de Chang parece um marxismo exportado para nações. Os
países ricos exploram os países pobres. Portanto, as regras do jogo
não podem ser iguais. Seria injusto, segundo o autor, tratar da mesma
forma países desiguais. Os países ricos deveriam aceitar o
protecionismo dos mais pobres sem reclamar, pois são mais ricos.
Justiça, por esta ótica, é garantir um tratamento diferencial com base
na renda. Um dos problemas disso é que o protecionismo não beneficia
os países pobres, mas sim alguns grupos ricos desses países, à custa
do restante do povo. É análogo ao próprio marxismo dentro de cada
nação: atacar os mais ricos não favorece os mais pobres, e sim o
contrário. Outro problema desse raciocínio é que o protecionismo
seria, então, desejável dentro da nação também. Cada estado deveria
proteger suas indústrias para garantir seu desenvolvimento. A lógica
poderia continuar: cada bairro deveria fazer o mesmo, para estimular
seu desenvolvimento. Afinal, o que há de tão especial no conceito de
nação? No extremo, acaba-se na conclusão de que a auto-subsistência do
indivíduo pode ser desejável.
Chang parece confundir correlação com causalidade. Ele cita que fases
protecionistas e com intervenção estatal forte apresentaram bons
resultados, enquanto reformas neoliberais geraram crises. A falácia
desse raciocínio é que o crescimento desenvolvimentista apenas
hipotecou o futuro. O autor chega a defender abertamente essa
política, quando afirma que “faz sentido para um país em
desenvolvimento ‘emprestar das gerações futuras’, assumindo déficits
orçamentários para investir por seus próprios meios no presente e,
portanto, acelerar o crescimento econômico”. Após uma era de
crescimento artificialmente criado pelos gastos estatais sem lastro,
um duro ajuste se faz necessário. Mas Chang prefere condenar o
termômetro pela febre. Ele ataca os sintomas expostos pelo livre
mercado, em vez das causas plantadas pelo desenvolvimentismo. Não
obstante essa falácia estatística, resta questionar qual país não está
em desenvolvimento. O autor trata os países mais desenvolvidos como
países que chegaram ao patamar máximo de desenvolvimento, e não mais
tivessem que se desenvolver.
O autor defende até mesmo os programas de substituição das
importações, que nos remete ao caso brasileiro da “Lei da
Informática”, que condenou o país ao atraso tecnológico. Como pode ser
bom para o desenvolvimento de uma economia comprar verdadeiras
carroças pelo preço de uma Ferrari? Chang defende ainda que uma
inflação de até 40% ao ano pode ser desejável. Ele afirma: “A inflação
baixa e a prudência do governo podem ser prejudiciais ao
desenvolvimento econômico”. Dificilmente um brasileiro poderá
concordar com isso, se tem alguma memória.
O caso da Coréia, terra natal de Chang, é freqüentemente citado no
livro. Fica a impressão de que o protecionismo comercial seletivo e a
clarividência do governo foram responsáveis pelo sucesso relativo do
país, e não a maior abertura comercial e o investimento na educação,
respeitando-se a meritocracia. As falhas do modelo coreano acabam
transformadas pelo autor nas causas do sucesso. Nenhuma vez é citada
no livro a palavra “chaebols”, por exemplo. O autor fala da ajuda
estatal à Samsung, mas esquece que os grandes conglomerados ajudados
pelo governo estiveram no epicentro da grande crise de 1997. O modelo
da Coréia deu certo a despeito do protecionismo, não por causa dele.
Outra falácia comum praticada pelo autor chama-se non sequitur: de
premissas verdadeiras, ele conclui coisas que não seguem delas. Se há
protecionismo nos países desenvolvidos, então ele é causa do sucesso,
afirma Chang. No livro, “aprendemos” que Taiwan, Cingapura, Irlanda,
Estados Unidos, Inglaterra e Suíça são exemplos de sucesso do
protecionismo esclarecido, e que Argentina, Brasil e Rússia são casos
de fracassos do neoliberalismo. Quanta inversão!
O autor afirma que o livre-comércio pode trazer benefícios no curto
prazo, mas condena o país pobre no longo prazo. É justamente o
contrário: proteger empresas nacionais pode gerar algum ganho
artificial no curto prazo, mas sacrifica o desenvolvimento do país no
futuro.
Como todo desenvolvimentista, o autor se coloca sempre do lado do
poder. Ele parece acreditar que um “déspota esclarecido” irá decidir
qual protecionismo é desejável, e tomar medidas sempre com o
“bem-comum” em mente. O governante será clarividente e honesto, uma
espécie de “rei filósofo” platônico. Chang chega a afirmar: “O
desenvolvimento econômico requer pessoas como Henrique VII, que
constroem um futuro novo, em vez de pessoas como Robinson Crusoé, que
vivem o dia de hoje”. Em outras palavras, os indivíduos não conseguem,
através da sua liberdade, gerar desenvolvimento econômico por conta
própria. Eles precisam da sabedoria dos governantes, sob o auxílio dos
conselheiros, Chang incluído. A arrogância vem à tona quando o autor
diz: “O comércio é simplesmente muito importante para o
desenvolvimento econômico para ser deixado por conta dos economistas
do livre-comércio”. Ou seja, o comércio não deve ser livre, mas sim
controlado pelos economistas “esclarecidos”, os desenvolvimentistas,
como o próprio Chang. Apenas eles sabem quais são os “interesses da
nação”, e estão dispostos a sacrificar seus próprios interesses por
este fim.
O paternalismo está presente na mentalidade desenvolvimentista também.
O governo é o pai que ama seu filho – o povo, e que irá cuidar dele.
De fato, Chang usa a analogia para defender o protecionismo das
“empresas nascentes”, alegando que cuida de seu filho de seis anos,
protegendo-o da concorrência até sua maturidade. Getúlio Vargas, o
“pai dos pobres”, não faria uso de uma metáfora diferente. De fato,
esses paternalistas são mesmo os “pais dos pobres”, já que suas
políticas costumam parir muita pobreza.
Em um abuso da linguagem orwelliana, Chang chega a afirmar que,
“paradoxalmente, a política de livre-comércio reduz a liberdade dos
países em desenvolvimento que a praticam”. Bota paradoxo nisso! Como
um povo pode perder liberdade ao receber mais liberdade para escolher
de quem comprar os bens e serviços demandados, independente da
nacionalidade do vendedor? Eis um mistério que somente o “duplipensar”
pode explicar.
Chang entende os problemas da gestão estatal, como o uso do dinheiro
da “viúva”, o orçamento ilimitado e a falta de incentivos adequados.
Mas ele acha que o mesmo se dá no setor privado, na mesma escala. Para
defender esta estranha premissa, ele cita exemplos de fracassos no
setor privado, como a WorldCom, e supostos casos de sucesso de
empresas estatais, como a Petrobrás e Embraer no Brasil, e a POSCO na
Coréia. Ele apela para a falácia de usar alguns casos isolados para
concluir algo generalizado. Além disso, ele ignora o custo de
oportunidade, ou seja, como teriam sido utilizados os recursos
drenados pelo governo para sustentar por tanto tempo essas estatais.
Como já alertava Bastiat, existe aquilo que se vê e aquilo que não se
vê. Para a Petrobrás atingir uma tecnologia de ponta em águas
profundas, quanto custou ao país suas décadas de monopólio garantido
pelo governo? Como estaria o setor atualmente se o governo tivesse
permitido a livre concorrência desde cedo, incluindo empresas
estrangeiras? O caso da Embraer é ainda mais enganoso: o governo
sustentou a empresa deficitária por anos, e apenas com sua
privatização ela realmente deslanchou. A POSCO foi privatizada como um
conglomerado bastante ineficiente, que investia em diversos setores
sem ligação alguma.
A inversão que Chang faz em relação ao foco no longo prazo é total.
Para ele, apenas o governo tem esse foco, enquanto o capitalista quer
somente o lucro imediato. É justamente o contrário. O político foca
nas próximas eleições, pois precisa ser eleito para sobreviver como
político; enquanto o capitalista foca na maximização do valor presente
dos fluxos de caixa, muitas vezes distantes no tempo.
Para Chang, entre as principais causas da corrupção estão a baixa
receita tributária do governo e os salários baixos dos funcionários
públicos (que no Brasil ganham, na média, o triplo do que ganha o
setor privado). Reduzir as regulamentações, a burocracia e a
quantidade de recursos que transita pelo governo levaria a um aumento
da corrupção! Ele diz com todas as letras: “A corrupção normalmente
existe porque há muitas forças de mercado, não poucas”. A Rússia que o
diga! Ou o Brasil também, um país com problema crônico de corrupção e
um governo totalmente inchado. Chang parece defender o uso de
sanguessugas para curar a leucemia.
Chang se coloca como o “bom samaritano” em defesa dos países pobres,
mas, na verdade, ele é apenas o defensor dos ricos dos países pobres.
Seu discurso nacionalista e protecionista seria abraçado com
empolgação pelos grandes empresários da FIESP, por exemplo,
interessados em barrar a livre concorrência que vem de fora. Nenhum
“lobista” dos grandes grupos de interesse dos países pobres poderia
contar com um apoio mais sintonizado que aquele oferecido por Chang.
Após expor tantas falácias, pode-se concluir apenas uma coisa: com
“bons samaritanos” como o senhor Chang, os pobres dos países
subdesenvolvidos não precisam de inimigos!
2 Comments:
Não tem nada de errado com o que constata Chang não. Mas para o Rei é duro que digam que ele está nú!
Manter essa política de deixar que as coisa aconteçam é suicídio.
By João, at terça-feira, março 10, 2009 11:58:00 PM
Este articulo defiende una politica sin argumentar. Por ejemplo, a los varios argumentos historicos de Chang, dice simplemente "proteger empresas nacionais pode gerar algum ganho artificial no curto prazo, mas sacrifica o desenvolvimento do país no futuro." Cual es la prueba? El libro dedica muchos ejemplos a argumentar lo contrario.
Asi mismo, no entiende o ergiversa los argumentos. Por ejemplo, dice "Como um povo pode perder liberdade ao receber mais liberdade para escolher
de quem comprar os bens e serviços demandados, ndependente da nacionalidade do vendedor? Eis um mistério que somente o “duplipensar” pode explicar." En el libro es claro que Chang se refiere a la reduccion de las opciones del gobierno para intervenir la economia. Se puede estar en desacuerdo con que esto sea importante, pero el argumento es perfectamente logico.
By Unknown, at sexta-feira, maio 01, 2009 4:09:00 PM
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