193) Uma breve história do futuro, Jacques Attali
Sobre o amanhã que nos espera
Economista e autor francês, Jacques Attali faz previsões alarmantes em Uma Breve História do Futuro
Leonardo Trevisan
O Estado de São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008, Caderno 2
Jacques Attali:
Uma Breve História do Futuro
Tradução de Renata Cordeiro
Novo Século, 224 págs., R$ 45,90
Investigar o futuro é mania antiga. Aliás, o bicho homem sempre foi muito atormentado pela idéia das previsões. Os métodos para domar esse medo do amanhã, atávico à espécie, são muitos, incluindo sacrifícios humanos, muito utilizados para acalmar os deuses que mandam no que virá. Por outro lado, é curioso, mas nos últimos tempos a prospecção do futuro misturou esse medo com a ansiedade por progresso. As incertezas do amanhã, portanto, só devem assustar os que não se preocupam com os avanços, com as melhorias, principalmente as econômicas.
Jacques Attali, assessor de François Mitterand, ex-presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, seguiu esse caminho, o de pensar o futuro pela via da conquista do progresso. Em Uma Breve História do Futuro - Capítulo Especial Sobre o Brasil, publicado pela Novo Século Editora, ele identificou um momento essencial para entender os mecanismos das previsões: por volta de 1300 a.C., depois que os egípcios consolidaram a idéia de império, algumas tribos vindas da Ásia se instalam em ilhas do Mediterrâneo, e, em vez de ficarem fechados em fortalezas pelas exigências da agricultura, micênicos, fenícios e judeus passaram a pensar o tempo todo em mudanças, que chamaram de “progresso”. Para esses, comércio e dinheiro eram suas melhores armas e mares e portos seus verdadeiros terrenos de caça.
Apesar de toda atenção à História, Attali garante que “hoje se decide como será o mundo em 2050”. Ele está convencido de que as forças de mercado dominam o planeta e o que chamou de “marcha triunfante do dinheiro” tem tanto poder que acabará com tudo que pode prejudicá-lo. Transformado em lei única do mundo, o mercado formará na sua visão o “hiperimpério”, em que tudo será privado. Porém, se a humanidade interromper a globalização “pela violência” enfrentará grandes batalhas opondo Estados, grupos religiosos, terroristas e piratas privados. Será o que Attali chamou de “hiperconflito”. Já se a globalização puder ser contida sem ser recusada, se o mercado for circunscrito sem ser abolido, se a democracia for global, ele acredita que o mundo chegará à “hiperdemocracia”, com todas as tecnologias usadas “no rumo da abundância”. Para conhecer qual será o rumo dessa caminhada, se sombria ou apenas feliz, Attali prospecta o futuro partindo de uma certeza: as tribos, que instituíram os primeiros mercados e as primeiras democracias 12 séculos antes de Cristo, formaram depois uma sólida ordem comercial. Para ele, ainda estamos nessa ordem, e sua história e leis serão também as do futuro. O corte cronológico que interessa ao economista francês é o surgimento das primeiras cidades-feira da cristandade no século 9º. Só as crises do próprio mercado, ou guerras, levariam à substituição de um “núcleo” de comércio por outro. Para Attali, desde então, nove “núcleos” se sucederam: Bruges, Veneza, Antuérpia, Gênova, Amsterdã, Londres, Boston, Nova York e, hoje, Los Angeles. Para Attali, o essencial da história dos últimos sete séculos se explica pelas estratégias empregadas pelas potências para tornarem-se “núcleo” dessa ordem comercial.
Cada um desses núcleos acumulou sua especificidade de poder. Veneza tomou o espaço de Bruges, pela posição geográfica privilegiada, para receber a prata que acabara de ser descoberta nas minas alemãs. Quando a prata alemã terminou e a pressão turca aumentou, Antuérpia e depois Gênova substituíram Veneza. Londres, que desde o 16 já lucrava com o algodão, tomará o lugar de Gênova. A origem da riqueza inglesa está nos tratados de livre comércio assinados até com a inimiga França em 1776. Nessa época, a libra já era nova moeda do comércio mundial. A grande recessão de 1870 demole o poder de “núcleo” de Londres. De 1890 a 1929, Boston dará as cartas pela grande explosão das máquinas. Depois da Grande Depressão de 1929, Nova York ocupa o poder de núcleo, na grande vitória da eletricidade. Depois que serviços viraram indústria, Attali cria a expressão “objetos nômades”, os que ajudam as pessoas a “viver em viagem”, o principal deles o computador.
Há novos donos no mundo. A Europa declina e a Ásia volta a subir: entre 1980 e 2006 a parte dos EUA no PIB mundial permanece inalterada em 21%, mas a da Europa cai de 28% para 21%, enquanto a do leste asiático, incluindo China, Japão, Coréia, Taiwan, Hong Kong, passa de 16% para 28%. A questão central para o futuro é: como surgirá a décima cidade-núcleo. Há no horizonte 11 novas potências: China, Índia, Rússia, Japão, Indonésia, Coréia, Austrália, Canadá, República Sul-Africana, Brasil e México. Sobre a China a percepção de que o Partido Comunista chinês será cada vez menos capaz de organizar a vida urbana. Attali faz o vaticino de que o Brasil estará à frente do Japão. Para gerir o tempo como mercadoria duas indústrias devem crescer muito: seguros e entretenimento, uma vez que “divertir-se será proteger-se do presente”. Quanto à operacionalidade do futuro, Attali vê duas perspectivas. Primeiro, uma fase mais sombria em que o capitalismo atingirá sua meta: “Destruirá tudo que não for como ele.” Ele teme a tentação do isolacionismo teocrático nos EUA e a inserção do cristianismo na constituição européia como defesa à expansão islâmica. Porém, depois, ele também considera que a hiperdemocracia poderá triunfar.
É preciso coragem para mexer com o futuro. O que mais assusta nele não são as previsões, mas as convicções que as construíram. A maior delas é a atual mistura entre progresso e felicidade. Aliás, vale lembrar que essa mesma mistura já vitimou as previsões, tanto otimistas como pessimistas, de muita gente.
Economista e autor francês, Jacques Attali faz previsões alarmantes em Uma Breve História do Futuro
Leonardo Trevisan
O Estado de São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008, Caderno 2
Jacques Attali:
Uma Breve História do Futuro
Tradução de Renata Cordeiro
Novo Século, 224 págs., R$ 45,90
Investigar o futuro é mania antiga. Aliás, o bicho homem sempre foi muito atormentado pela idéia das previsões. Os métodos para domar esse medo do amanhã, atávico à espécie, são muitos, incluindo sacrifícios humanos, muito utilizados para acalmar os deuses que mandam no que virá. Por outro lado, é curioso, mas nos últimos tempos a prospecção do futuro misturou esse medo com a ansiedade por progresso. As incertezas do amanhã, portanto, só devem assustar os que não se preocupam com os avanços, com as melhorias, principalmente as econômicas.
Jacques Attali, assessor de François Mitterand, ex-presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, seguiu esse caminho, o de pensar o futuro pela via da conquista do progresso. Em Uma Breve História do Futuro - Capítulo Especial Sobre o Brasil, publicado pela Novo Século Editora, ele identificou um momento essencial para entender os mecanismos das previsões: por volta de 1300 a.C., depois que os egípcios consolidaram a idéia de império, algumas tribos vindas da Ásia se instalam em ilhas do Mediterrâneo, e, em vez de ficarem fechados em fortalezas pelas exigências da agricultura, micênicos, fenícios e judeus passaram a pensar o tempo todo em mudanças, que chamaram de “progresso”. Para esses, comércio e dinheiro eram suas melhores armas e mares e portos seus verdadeiros terrenos de caça.
Apesar de toda atenção à História, Attali garante que “hoje se decide como será o mundo em 2050”. Ele está convencido de que as forças de mercado dominam o planeta e o que chamou de “marcha triunfante do dinheiro” tem tanto poder que acabará com tudo que pode prejudicá-lo. Transformado em lei única do mundo, o mercado formará na sua visão o “hiperimpério”, em que tudo será privado. Porém, se a humanidade interromper a globalização “pela violência” enfrentará grandes batalhas opondo Estados, grupos religiosos, terroristas e piratas privados. Será o que Attali chamou de “hiperconflito”. Já se a globalização puder ser contida sem ser recusada, se o mercado for circunscrito sem ser abolido, se a democracia for global, ele acredita que o mundo chegará à “hiperdemocracia”, com todas as tecnologias usadas “no rumo da abundância”. Para conhecer qual será o rumo dessa caminhada, se sombria ou apenas feliz, Attali prospecta o futuro partindo de uma certeza: as tribos, que instituíram os primeiros mercados e as primeiras democracias 12 séculos antes de Cristo, formaram depois uma sólida ordem comercial. Para ele, ainda estamos nessa ordem, e sua história e leis serão também as do futuro. O corte cronológico que interessa ao economista francês é o surgimento das primeiras cidades-feira da cristandade no século 9º. Só as crises do próprio mercado, ou guerras, levariam à substituição de um “núcleo” de comércio por outro. Para Attali, desde então, nove “núcleos” se sucederam: Bruges, Veneza, Antuérpia, Gênova, Amsterdã, Londres, Boston, Nova York e, hoje, Los Angeles. Para Attali, o essencial da história dos últimos sete séculos se explica pelas estratégias empregadas pelas potências para tornarem-se “núcleo” dessa ordem comercial.
Cada um desses núcleos acumulou sua especificidade de poder. Veneza tomou o espaço de Bruges, pela posição geográfica privilegiada, para receber a prata que acabara de ser descoberta nas minas alemãs. Quando a prata alemã terminou e a pressão turca aumentou, Antuérpia e depois Gênova substituíram Veneza. Londres, que desde o 16 já lucrava com o algodão, tomará o lugar de Gênova. A origem da riqueza inglesa está nos tratados de livre comércio assinados até com a inimiga França em 1776. Nessa época, a libra já era nova moeda do comércio mundial. A grande recessão de 1870 demole o poder de “núcleo” de Londres. De 1890 a 1929, Boston dará as cartas pela grande explosão das máquinas. Depois da Grande Depressão de 1929, Nova York ocupa o poder de núcleo, na grande vitória da eletricidade. Depois que serviços viraram indústria, Attali cria a expressão “objetos nômades”, os que ajudam as pessoas a “viver em viagem”, o principal deles o computador.
Há novos donos no mundo. A Europa declina e a Ásia volta a subir: entre 1980 e 2006 a parte dos EUA no PIB mundial permanece inalterada em 21%, mas a da Europa cai de 28% para 21%, enquanto a do leste asiático, incluindo China, Japão, Coréia, Taiwan, Hong Kong, passa de 16% para 28%. A questão central para o futuro é: como surgirá a décima cidade-núcleo. Há no horizonte 11 novas potências: China, Índia, Rússia, Japão, Indonésia, Coréia, Austrália, Canadá, República Sul-Africana, Brasil e México. Sobre a China a percepção de que o Partido Comunista chinês será cada vez menos capaz de organizar a vida urbana. Attali faz o vaticino de que o Brasil estará à frente do Japão. Para gerir o tempo como mercadoria duas indústrias devem crescer muito: seguros e entretenimento, uma vez que “divertir-se será proteger-se do presente”. Quanto à operacionalidade do futuro, Attali vê duas perspectivas. Primeiro, uma fase mais sombria em que o capitalismo atingirá sua meta: “Destruirá tudo que não for como ele.” Ele teme a tentação do isolacionismo teocrático nos EUA e a inserção do cristianismo na constituição européia como defesa à expansão islâmica. Porém, depois, ele também considera que a hiperdemocracia poderá triunfar.
É preciso coragem para mexer com o futuro. O que mais assusta nele não são as previsões, mas as convicções que as construíram. A maior delas é a atual mistura entre progresso e felicidade. Aliás, vale lembrar que essa mesma mistura já vitimou as previsões, tanto otimistas como pessimistas, de muita gente.
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