159) Globalizacao, segundo Stiglitz
Globalização: Como Dar Certo
Joseph Stiglitz.
Companhia das Letras. 523 págs., R$ 56
Por Cyro Andrade, de São Paulo
Valor Econômico, 22/11/2007
Stiglitz: no final das contas, será sempre dos países em desenvolvimento a responsabilidade por seu destino
Dizer que é preciso fazer a globalização "dar certo" pode levar à suposição de que, até agora, "deu errado", o que não é verdade. O título brasileiro do novo livro de Joseph Stiglitz ("Making Globalization Work", no original) também sugere, com o advérbio "como", que o autor tem a fórmula para tirar o capitalismo do enredamento em que supostamente se encontra. Não é bem assim. Já se está melhor, porém, do que com "Os Malefícios da Globalização", título aqui inventado para o livro anterior de Stiglitz, "Globalization and its Discontents", com o adendo, não menos equivocado, que aos "malefícios" juntava "a promessa não cumprida de benefícios globais".
Seria extrema ingenuidade esperar da globalização benefícios que alcancem por igual todos os países e seus respectivos habitantes. Stiglitz, professor de economia na Universidade Columbia, laureado com o Nobel, ex-conselheiro de Bill Clinton, ex-economista-chefe do Banco Mundial, nunca disse isso, nem mesmo ele, chamado de "o artista do impossível" ("The Economist") e que, sem a arrogância, seria uma espécie de "Hamlet sem o príncipe" (Arnold Kling, economista americano).
Será útil, então, para quem queira saber o que Stiglitz de fato pensa a respeito da globalização e qual a origem e o sentido de suas propostas no novo livro, uma referência ao que ele disse em artigo publicado na época do lançamento da edição americana, no final de 2006: "Tenho reclamado em tão alta voz e tão agressivamente a respeito dos problemas da globalização que muitos concluíram, erradamente, que pertenço ao movimento antiglobalização. Mas acredito que a globalização tem um enorme potencial - desde que seja adequadamente dirigida" ("managed", em relação direta com "making work"). E quanto à distribuição dos benefícios? Suas esclarecedoras palavras textuais: "A teoria econômica não diz que todos ganharão com a globalização, mas apenas que os ganhos líquidos serão positivos e que os ganhadores poderão, portanto, compensar os perdedores e ainda sair com vantagem."
Stiglitz imagina que um bom "management" possa tornar a globalização um processo mais equânime, quanto ao uso de suas potencialidades, se for adotado "um novo 'contrato social global' entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos". Primeiro ítem: "Um compromisso dos países desenvolvidos com um regime de comércio mais justo, que promoveria efetivamente o desenvolvimento". Os ricos deveriam simplesmente abrir seus mercados aos mais pobres, sem reciprocidade. É uma idéia.
No "contrato" (que teria o aval executivo do Conselho Econômico e Social da ONU), os países desenvolvidos cederiam espaço aos menos desenvolvidos também na área de propriedade intelectual, especialmente no que se refere a medicamentos. Assumiriam uma série de compromissos em matéria ambiental, priorizando interesses e direitos dos países em desenvolvimento. Renovariam, e cumpririam, compromissos de prover ajuda financeira direta aos países mais pobres. Ampliariam a lista de países beneficiários de perdão de dívidas. Apoiariam a criação de um sistema internacional de reservas, que seria peça-chave num esforço pela estabilização financeira mundial. E por aí iria "a comunidade internacional", os ricos e os outros, procurando "criar um ambiente em que o desenvolvimento seja possível".
Stiglitz entende que não há como impedir que se altere "o modo como a globalização é gerida". Essa mudança tornou-se inevitável como desdobramento de algumas questões que têm ganho relevância na economia mundial: "os crescentes" desequilíbrios globais, "as provas cada vez mais contundentes" do aquecimento global, o impasse nas conversações da Rodada do Desenvolvimento, na Organização Mundial do Comércio (OMC), "a crescente insatisfação" com a atuação do FMI e do Banco Mundial, o aumento da consciência dos "perigos do unilateralismo" (menção implícita à posição preferida dos Estados Unidos, em matéria geoeconômica ou geopolítica), a decisão da OMC de que os subsídios americanos ao algodão são "ilegais".
Esteja-se atento, porém, para o fato de que a globalização, ela mesma, "não é inevitável", escreveu Stiglitz naquele artigo do ano passado e repete no livro. "Já houve reversões antes, e poderá haver reversões de novo", adverte. Então, mudanças nos modos de gestão talvez acabem se mostrando inúteis? Não necessariamente, desde que se entenda o novo "management" a que Stiglitz se refere como formas de procedimento político preventivo que preencham um vazio hoje existente. Está aí o grande problema: "A globalização econômica se deu mais rapidamente do que a globalização de políticas e modos de pensar. Nos tornamos mais interdependentes, aumentando a necessidade de agir em conjunto, mas não temos as estruturas institucionais para fazer isso de maneira eficaz e democraticamente" (no artigo). O "contrato social global" seria um grande passo adiante, ele acha.
Contudo, "para que a globalização funcione", diz Stiglitz, "é óbvio que os países em desenvolvimento devem fazer sua parte". No fim das contas, "a responsabilidade por um desenvolvimento bem-sucedido e sustentável - com seus frutos compartilhados amplamente - terá de recair sobre os ombros dos próprios países em desenvolvimento". Nem todos "lograrão êxito", mas Stiglitz acredita que, com o "contrato social global", muito mais países poderão ter sucesso do que no passado. Dessa forma, ele deixa implícito que cabe a cada país escolher seu caminho, suas políticas - e que a globalização não impede esses movimentos autônomos, mas até os recomenda.
Stiglitz identifica progressos importantes, já agora, nos rumos do "management" da globalização: "As vozes do mundo em desenvolvimento estão começando a ser ouvidas". Ressalve-se, porém, ele recomenda, que "essas vozes, às vezes, não foram tão altas e enérgicas quanto deveriam ter sido". Por exemplo, o Brasil, cuja presença nesse coro de ativistas Stiglitz coloca em forte destaque, "manifestou-se claramente nas discussões sobre comércio e propriedade intelectual, mas sua voz em defesa de reformas fundamentais no Banco Mundial e no FMI tem sido mais abafada".
Este novo livro de Stiglitz é um libelo contra uma espécie de usurpação política que, de diferentes formas e por diferentes mãos, tem dado à globalização um direcionamento socialmente injusto, no geral, e que impede cada país de fazer o seu próprio caminho para o desenvolvimento - se tiver competência e condições políticas para isso. Resolver a questão da complementaridade de ações de governo e iniciativa privada será, então, fundamental.
A globalização "é o campo no qual se desenrolam alguns de nossos principais conflitos sociais, inclusive aqueles sobre valores básicos", diz Stiglitz. "Entre os mais importantes desses conflitos está a discussão sobre o papel do governo e dos mercados." Stiglitz não tem a menor dúvida: "Entre as escolhas centrais com que todas as sociedades se defrontam está o papel do governo. O sucesso econômico exige obter o equilíbrio certo entre o governo e o mercado (...) Esse equilíbrio muda obviamente ao longo do tempo e será diferente de país para país. Mas (...) a globalização, tal como foi imposta, tornou, com freqüência, mais difícil obter o equilíbrio necessário."
"Ao escrever este livro", diz Stiglitz na introdução à edição brasileira, "minha esperança era de que ele ajudaria a incentivar mudanças na maneira como a globalização é gerida (...) e a acelerar o ritmo das reformas. Ao tornar esta edição disponível no Brasil, minha esperança é de que ele ajude a fortalecer as vozes do Terceiro Mundo" (sic) - para que a globalização funcione e deixe de ser vista, em grande parte do mundo, como "um pacto com o diabo".
Joseph Stiglitz.
Companhia das Letras. 523 págs., R$ 56
Por Cyro Andrade, de São Paulo
Valor Econômico, 22/11/2007
Stiglitz: no final das contas, será sempre dos países em desenvolvimento a responsabilidade por seu destino
Dizer que é preciso fazer a globalização "dar certo" pode levar à suposição de que, até agora, "deu errado", o que não é verdade. O título brasileiro do novo livro de Joseph Stiglitz ("Making Globalization Work", no original) também sugere, com o advérbio "como", que o autor tem a fórmula para tirar o capitalismo do enredamento em que supostamente se encontra. Não é bem assim. Já se está melhor, porém, do que com "Os Malefícios da Globalização", título aqui inventado para o livro anterior de Stiglitz, "Globalization and its Discontents", com o adendo, não menos equivocado, que aos "malefícios" juntava "a promessa não cumprida de benefícios globais".
Seria extrema ingenuidade esperar da globalização benefícios que alcancem por igual todos os países e seus respectivos habitantes. Stiglitz, professor de economia na Universidade Columbia, laureado com o Nobel, ex-conselheiro de Bill Clinton, ex-economista-chefe do Banco Mundial, nunca disse isso, nem mesmo ele, chamado de "o artista do impossível" ("The Economist") e que, sem a arrogância, seria uma espécie de "Hamlet sem o príncipe" (Arnold Kling, economista americano).
Será útil, então, para quem queira saber o que Stiglitz de fato pensa a respeito da globalização e qual a origem e o sentido de suas propostas no novo livro, uma referência ao que ele disse em artigo publicado na época do lançamento da edição americana, no final de 2006: "Tenho reclamado em tão alta voz e tão agressivamente a respeito dos problemas da globalização que muitos concluíram, erradamente, que pertenço ao movimento antiglobalização. Mas acredito que a globalização tem um enorme potencial - desde que seja adequadamente dirigida" ("managed", em relação direta com "making work"). E quanto à distribuição dos benefícios? Suas esclarecedoras palavras textuais: "A teoria econômica não diz que todos ganharão com a globalização, mas apenas que os ganhos líquidos serão positivos e que os ganhadores poderão, portanto, compensar os perdedores e ainda sair com vantagem."
Stiglitz imagina que um bom "management" possa tornar a globalização um processo mais equânime, quanto ao uso de suas potencialidades, se for adotado "um novo 'contrato social global' entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos". Primeiro ítem: "Um compromisso dos países desenvolvidos com um regime de comércio mais justo, que promoveria efetivamente o desenvolvimento". Os ricos deveriam simplesmente abrir seus mercados aos mais pobres, sem reciprocidade. É uma idéia.
No "contrato" (que teria o aval executivo do Conselho Econômico e Social da ONU), os países desenvolvidos cederiam espaço aos menos desenvolvidos também na área de propriedade intelectual, especialmente no que se refere a medicamentos. Assumiriam uma série de compromissos em matéria ambiental, priorizando interesses e direitos dos países em desenvolvimento. Renovariam, e cumpririam, compromissos de prover ajuda financeira direta aos países mais pobres. Ampliariam a lista de países beneficiários de perdão de dívidas. Apoiariam a criação de um sistema internacional de reservas, que seria peça-chave num esforço pela estabilização financeira mundial. E por aí iria "a comunidade internacional", os ricos e os outros, procurando "criar um ambiente em que o desenvolvimento seja possível".
Stiglitz entende que não há como impedir que se altere "o modo como a globalização é gerida". Essa mudança tornou-se inevitável como desdobramento de algumas questões que têm ganho relevância na economia mundial: "os crescentes" desequilíbrios globais, "as provas cada vez mais contundentes" do aquecimento global, o impasse nas conversações da Rodada do Desenvolvimento, na Organização Mundial do Comércio (OMC), "a crescente insatisfação" com a atuação do FMI e do Banco Mundial, o aumento da consciência dos "perigos do unilateralismo" (menção implícita à posição preferida dos Estados Unidos, em matéria geoeconômica ou geopolítica), a decisão da OMC de que os subsídios americanos ao algodão são "ilegais".
Esteja-se atento, porém, para o fato de que a globalização, ela mesma, "não é inevitável", escreveu Stiglitz naquele artigo do ano passado e repete no livro. "Já houve reversões antes, e poderá haver reversões de novo", adverte. Então, mudanças nos modos de gestão talvez acabem se mostrando inúteis? Não necessariamente, desde que se entenda o novo "management" a que Stiglitz se refere como formas de procedimento político preventivo que preencham um vazio hoje existente. Está aí o grande problema: "A globalização econômica se deu mais rapidamente do que a globalização de políticas e modos de pensar. Nos tornamos mais interdependentes, aumentando a necessidade de agir em conjunto, mas não temos as estruturas institucionais para fazer isso de maneira eficaz e democraticamente" (no artigo). O "contrato social global" seria um grande passo adiante, ele acha.
Contudo, "para que a globalização funcione", diz Stiglitz, "é óbvio que os países em desenvolvimento devem fazer sua parte". No fim das contas, "a responsabilidade por um desenvolvimento bem-sucedido e sustentável - com seus frutos compartilhados amplamente - terá de recair sobre os ombros dos próprios países em desenvolvimento". Nem todos "lograrão êxito", mas Stiglitz acredita que, com o "contrato social global", muito mais países poderão ter sucesso do que no passado. Dessa forma, ele deixa implícito que cabe a cada país escolher seu caminho, suas políticas - e que a globalização não impede esses movimentos autônomos, mas até os recomenda.
Stiglitz identifica progressos importantes, já agora, nos rumos do "management" da globalização: "As vozes do mundo em desenvolvimento estão começando a ser ouvidas". Ressalve-se, porém, ele recomenda, que "essas vozes, às vezes, não foram tão altas e enérgicas quanto deveriam ter sido". Por exemplo, o Brasil, cuja presença nesse coro de ativistas Stiglitz coloca em forte destaque, "manifestou-se claramente nas discussões sobre comércio e propriedade intelectual, mas sua voz em defesa de reformas fundamentais no Banco Mundial e no FMI tem sido mais abafada".
Este novo livro de Stiglitz é um libelo contra uma espécie de usurpação política que, de diferentes formas e por diferentes mãos, tem dado à globalização um direcionamento socialmente injusto, no geral, e que impede cada país de fazer o seu próprio caminho para o desenvolvimento - se tiver competência e condições políticas para isso. Resolver a questão da complementaridade de ações de governo e iniciativa privada será, então, fundamental.
A globalização "é o campo no qual se desenrolam alguns de nossos principais conflitos sociais, inclusive aqueles sobre valores básicos", diz Stiglitz. "Entre os mais importantes desses conflitos está a discussão sobre o papel do governo e dos mercados." Stiglitz não tem a menor dúvida: "Entre as escolhas centrais com que todas as sociedades se defrontam está o papel do governo. O sucesso econômico exige obter o equilíbrio certo entre o governo e o mercado (...) Esse equilíbrio muda obviamente ao longo do tempo e será diferente de país para país. Mas (...) a globalização, tal como foi imposta, tornou, com freqüência, mais difícil obter o equilíbrio necessário."
"Ao escrever este livro", diz Stiglitz na introdução à edição brasileira, "minha esperança era de que ele ajudaria a incentivar mudanças na maneira como a globalização é gerida (...) e a acelerar o ritmo das reformas. Ao tornar esta edição disponível no Brasil, minha esperança é de que ele ajude a fortalecer as vozes do Terceiro Mundo" (sic) - para que a globalização funcione e deixe de ser vista, em grande parte do mundo, como "um pacto com o diabo".
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