155) Livro: Ramiro Saraiva Guerreiro, Lembranças de um empregado do Itamaraty
SARAIVA GUERREIRO, Ramiro
Lembranças de um empregado do Itamaraty
São Paulo: Siciliano, 1992.
Gustavo dos Santos Pereira
A obra Lembranças de um empregado do Itamaraty, do diplomata e ex-
ministro das Relações Exteriores Ramiro Saraiva Guerreiro, ao lado
das memórias do embaixador Gibson Barbosa (Na diplomacia, o traço
todo da vida), constitui retrato fiel da atuação do Itamaraty na
década de 70 e no início dos anos 80, período dos mais
significativos para a redefinição da política externa brasileira.
O título da obra, segundo o próprio diplomata, remete a uma
expressão comumente usada pelo embaixador Cyro de Freitas-Valle, a
quem credita muito do que sabe e a quem considera um mentor
intelectual e profissional. Nas próprias palavras de Guerreiro, "não
há capacidade de mando se antes não se obedeceu"; para ele,
portanto, a expressão "empregado do Itamaraty" reveste-se de um tom
de humildade e revela o espírito de aprendizado árduo do qual está
imbuída a profissão de diplomata.
Ao longo do texto, damo-nos conta facilmente de que Saraiva
Guerreiro tem a preocupação de convidar o leitor a adentrar o
universo de suas memórias. É inegável a estratégia de ambientação
que o ex-ministro adota para que o leitor se sinta familiarizado com
os conceitos que norteavam a diplomacia brasileira na época em foco.
Terceiro-mundismo, política externa independente, desenvolvimento,
não-alinhamento são conceitos manuseados com habilidade e
conhecimento de causa pelo autor de maneira a trazer o leitor ao
pensamento do Itamaraty no período do chamado "pragmatismo
responsável" em política externa.
Saraiva Guerreiro teve uma brilhante carreira. Serviu em Washington,
Paris e Nova Iorque, na missão junto a ONU, e tornou-se conhecido
por sua atuação como secretário-geral da casa (de 1974 a 1979)
durante o governo Geisel e como ministro das Relações Exteriores do
governo Figueiredo (de 1979 a 1985). Testemunhou, nessas altas
funções, episódios da política internacional tão marcantes quanto a
Guerra das Malvinas ou a formação do Grupo de Contadora, de apoio à
pacificação dos países da América Central. É sobre esse período que
transcorrem as histórias e relatos da obra, sempre pontilhadas pelo
bom-humor que é habitual a Saraiva Guerreiro.
Um dos trunfos de sua estratégia discursiva é evitar que o livro
siga um roteiro cronológico. Com efeito, Saraiva Guerreiro nos
brinda com suas ricas experiências e as anedotas saborosas sem
preocupar-se com qualquer tipo de ordem ou plano. O livro atrai o
leitor ao aproximar-se do fluxo de consciência, ao acercar-se quase
de um relato leve de quem toma uma caneta à mão e desata a escrever.
Ressalte-se, contudo, que se há divisões em Memórias de um empregado
do Itamaraty, essas são temáticas, por opção didática expressa do
autor.
É interessante notar que o ex-ministro de Estado, entre uma anedota
e outra, defende a idéia de que o "pragmatismo responsável" é uma
releitura crítica da antiga "política externa independente" , e não
significa outra coisa senão uma natural adaptação do Itamaraty aos
novos desafios do mundo da détente, sem abandonar suas tradições.
Nas entrelinhas do seu discurso, extrai-se o âmago da política
externa que ajudou a elaborar: uma opção deliberada por aquilo que
hoje se chama de "Sul", e um certo ressentimento para com um "Norte"
incapaz de contribuir para satisfazer as necessidades próprias de um
país em desenvolvimento como o Brasil.O livro de Saraiva Guerreiro é
conciso, elucidativo e de leitura extremamente agradável e lúdica.
Mais do que isso, o livro ganha um interesse especial já que trata
de uma época que se constitui como embrião da atual política externa
brasileira: Memórias de um empregado do Itamaraty prova como esta é
herdeira da política externa do Itamaraty dos anos 70, e como a
continuidade tão cara a esse ministério não é apenas um discurso
retórico.
Lembranças de um empregado do Itamaraty
São Paulo: Siciliano, 1992.
Gustavo dos Santos Pereira
A obra Lembranças de um empregado do Itamaraty, do diplomata e ex-
ministro das Relações Exteriores Ramiro Saraiva Guerreiro, ao lado
das memórias do embaixador Gibson Barbosa (Na diplomacia, o traço
todo da vida), constitui retrato fiel da atuação do Itamaraty na
década de 70 e no início dos anos 80, período dos mais
significativos para a redefinição da política externa brasileira.
O título da obra, segundo o próprio diplomata, remete a uma
expressão comumente usada pelo embaixador Cyro de Freitas-Valle, a
quem credita muito do que sabe e a quem considera um mentor
intelectual e profissional. Nas próprias palavras de Guerreiro, "não
há capacidade de mando se antes não se obedeceu"; para ele,
portanto, a expressão "empregado do Itamaraty" reveste-se de um tom
de humildade e revela o espírito de aprendizado árduo do qual está
imbuída a profissão de diplomata.
Ao longo do texto, damo-nos conta facilmente de que Saraiva
Guerreiro tem a preocupação de convidar o leitor a adentrar o
universo de suas memórias. É inegável a estratégia de ambientação
que o ex-ministro adota para que o leitor se sinta familiarizado com
os conceitos que norteavam a diplomacia brasileira na época em foco.
Terceiro-mundismo, política externa independente, desenvolvimento,
não-alinhamento são conceitos manuseados com habilidade e
conhecimento de causa pelo autor de maneira a trazer o leitor ao
pensamento do Itamaraty no período do chamado "pragmatismo
responsável" em política externa.
Saraiva Guerreiro teve uma brilhante carreira. Serviu em Washington,
Paris e Nova Iorque, na missão junto a ONU, e tornou-se conhecido
por sua atuação como secretário-geral da casa (de 1974 a 1979)
durante o governo Geisel e como ministro das Relações Exteriores do
governo Figueiredo (de 1979 a 1985). Testemunhou, nessas altas
funções, episódios da política internacional tão marcantes quanto a
Guerra das Malvinas ou a formação do Grupo de Contadora, de apoio à
pacificação dos países da América Central. É sobre esse período que
transcorrem as histórias e relatos da obra, sempre pontilhadas pelo
bom-humor que é habitual a Saraiva Guerreiro.
Um dos trunfos de sua estratégia discursiva é evitar que o livro
siga um roteiro cronológico. Com efeito, Saraiva Guerreiro nos
brinda com suas ricas experiências e as anedotas saborosas sem
preocupar-se com qualquer tipo de ordem ou plano. O livro atrai o
leitor ao aproximar-se do fluxo de consciência, ao acercar-se quase
de um relato leve de quem toma uma caneta à mão e desata a escrever.
Ressalte-se, contudo, que se há divisões em Memórias de um empregado
do Itamaraty, essas são temáticas, por opção didática expressa do
autor.
É interessante notar que o ex-ministro de Estado, entre uma anedota
e outra, defende a idéia de que o "pragmatismo responsável" é uma
releitura crítica da antiga "política externa independente" , e não
significa outra coisa senão uma natural adaptação do Itamaraty aos
novos desafios do mundo da détente, sem abandonar suas tradições.
Nas entrelinhas do seu discurso, extrai-se o âmago da política
externa que ajudou a elaborar: uma opção deliberada por aquilo que
hoje se chama de "Sul", e um certo ressentimento para com um "Norte"
incapaz de contribuir para satisfazer as necessidades próprias de um
país em desenvolvimento como o Brasil.O livro de Saraiva Guerreiro é
conciso, elucidativo e de leitura extremamente agradável e lúdica.
Mais do que isso, o livro ganha um interesse especial já que trata
de uma época que se constitui como embrião da atual política externa
brasileira: Memórias de um empregado do Itamaraty prova como esta é
herdeira da política externa do Itamaraty dos anos 70, e como a
continuidade tão cara a esse ministério não é apenas um discurso
retórico.
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