154) Livro: Mario Gibson Barboza. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida
Barboza, Mario Gibson
Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida
Rio de Janeiro: Record, 1992
Resenha
Fábio Simão Alves
O historiador e escritor escocês Thomas Carlyle disse uma vez
que "uma vida bem escrita é quase tão rara como uma vida bem
vivida". Avaliada a partir dessas palavras, "Na Diplomacia, o Traço
Todo da Vida" é, certamente, uma daquelas obras raras, ou melhor,
duplamente raras: o livro do ex-chanceler Mario Gibson Barboza é uma
vida bem escrita a respeito de uma vida bem vivida.
A obra de Mario Gibson não é, a bem da verdade, uma autobiografia,
mas, antes, um livro de impressões, um livro de memórias do tipo
incomum: "Na Diplomacia.. ." é muito mais uma história fatual da
política externa do Brasil, durante um período de mais de meio
século (1940-1992), do que a história da vida de um homem. Mario
Gibson se coloca como o co-adjuvante de um enredo em que a
Diplomacia brasileira é a personagem principal.
Mario Gibson Barboza é uma das figuras mais destacadas da Diplomacia
brasileira contemporânea. Ingresso no serviço exterior em 1940,
galgou ao longo de cinco décadas os postos mais importantes da
carreira: ministro-conselheir o nas Nações Unidas; Embaixador em
Washington, Londres e Roma; Chefe de Gabinete nas gestões Raul
Fernandes, Afonso Arinos e San Tiago Dantas; Secretário-Geral na
gestão Magalhães Pinto; e, finalmente, Ministro de Estado das
Relações Exteriores no governo Médici. Mais importantes do que sua
trajetória pessoal, no entanto, foram as profundas transformações
por que passou o Brasil no período que coincide com sua carreira, e
que são, na realidade, o fio condutor de seu livro.
Com elegância e sensibilidade, Mario Gibson descreve algumas das
figuras mais importantes de nossa Diplomacia: suas páginas trazem
ricas histórias de Raul Fernandes ("o homem que viria a ser tão
importante em minha vida, que me daria todo seu afeto de pai que
nunca foi, que exerceria tão forte fascínio sobre mim e seria
determinante na minha carreira diplomática") e San Tiago Dantas
("depois que o encontrei, tanto sua figura de homem público como sua
persona me foram sendo reveladas no que para mim ficou sendo a minha
verdade [...]. Como e quando se organizará novamente um ser tão
excepcional? "). Não faltam tampouco análises penetrantes das mais
variadas personalidades políticas, do Brasil e do mundo, que Mario
Gibson conheceu durante sua carreira: Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros, Emílio Médici, Delfim Netto, Golda Meir, Henry Kissinger,
Richard Nixon, Anwar Sadat...
Exibe uma visão abrangente e perspicaz quando analisa os principais
momentos da política externa brasileira na segunda metade do século
XX. De forma bastante modesta, põe-se no lugar de observador, mesmo
nos momentos em que atuou de forma decisiva, para oferecer ao leitor
um relato preciso de momentos fundamentais da Diplomacia brasileira,
como o lançamento da Operação Pan-Americana, a expulsão do governo
cubano da OEA, o lançamento da idéia de Itaipu, a transferência do
Itamaraty para Brasília, o lançamento da Diplomacia do Interesse
Nacional no governo Médici, as crises com os Estados Unidos nos anos
70, a consolidação da política africana na Diplomacia brasileira.
Sua perspectiva de participante de todos esses momentos oferece ao
leitor uma nova visão dos fatos, que perdem parte do caráter formal
que imprimem os manuais de História Diplomática para, quase que
romanceados – sem prescindir, no entanto, de fidedignidade –
assumirem uma proximidade que atrai o leitor para dentro dos
acontecimentos, tornando-os muito mais interessantes à medida que se
revelam mais e mais próximos.
No livro, não faltam passagens que desvendam momentos de bastidores
da Diplomacia, sem que o autor, no entanto, se incline para a
vulgaridade do gossip, tão ao gosto de muitos (pseudo-)escritores de
memórias, inclusive ex-diplomatas. .. Uma das mais interessantes,
reveladora do caráter de Mario Gibson e de seu amor pela Casa, é um
diálogo que teve com o Presidente Médici, em 1971, a respeito de
críticas que o então super-ministro Delfim Netto tecera à política
africana lançada pelo Itamaraty. O Chanceler, ultrajado pelas
críticas de Delfim, mandara o Secretário-Geral, Embaixador Jorge de
Carvalho e Silva, rebatê-las por meio de nota à imprensa, o que
desagradou ao Presidente. Repreendido fortemente por Médici, Gibson
assumiu posição de resistência decidida: "Olha, Presidente, vamos
fazer um acordo? O senhor fala com o Delfim Netto para não se meter
no Itamaraty. Ele se mete em todos os Ministérios, eu não tenho nada
a ver com isso. Mas no meu não se mete". Ao que Médici respondeu,
sorrindo, de forma surpreendente para o próprio autor: "Você é um
pernambucano de sangue muito quente. É pior do que no Rio Grande!".
É com clareza, sensibilidade para os fatos e as pessoas e, mesmo,
certa informalidade que Mario Gibson tece em sua obra um quadro de
impressões nítidas sobre os cinqüenta anos de Diplomacia brasileira
dos quais foi co-adjuvante – ora secundário, ora principal, mas
sempre um co-adjuvante. "Não pretendi fazer desta narrativa uma
autobiografia, nem tampouco um livro de memórias", escreve-nos
Gibson. Não há no livro sua história; o que há ali são, como
reconhece o ex-Chanceler, "minhas histórias". Histórias da
Diplomacia, que se confundem com a história da vida de um homem
excepcional. A obra revela, talvez, a sina de todo diplomata: suas
vidas pessoal e profissional inevitavelmente se confundem, a ponto
de ser uma única vida, vida esta cujo "traço todo" está fadado a ser
a Diplomacia.
Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida
Rio de Janeiro: Record, 1992
Resenha
Fábio Simão Alves
O historiador e escritor escocês Thomas Carlyle disse uma vez
que "uma vida bem escrita é quase tão rara como uma vida bem
vivida". Avaliada a partir dessas palavras, "Na Diplomacia, o Traço
Todo da Vida" é, certamente, uma daquelas obras raras, ou melhor,
duplamente raras: o livro do ex-chanceler Mario Gibson Barboza é uma
vida bem escrita a respeito de uma vida bem vivida.
A obra de Mario Gibson não é, a bem da verdade, uma autobiografia,
mas, antes, um livro de impressões, um livro de memórias do tipo
incomum: "Na Diplomacia.. ." é muito mais uma história fatual da
política externa do Brasil, durante um período de mais de meio
século (1940-1992), do que a história da vida de um homem. Mario
Gibson se coloca como o co-adjuvante de um enredo em que a
Diplomacia brasileira é a personagem principal.
Mario Gibson Barboza é uma das figuras mais destacadas da Diplomacia
brasileira contemporânea. Ingresso no serviço exterior em 1940,
galgou ao longo de cinco décadas os postos mais importantes da
carreira: ministro-conselheir o nas Nações Unidas; Embaixador em
Washington, Londres e Roma; Chefe de Gabinete nas gestões Raul
Fernandes, Afonso Arinos e San Tiago Dantas; Secretário-Geral na
gestão Magalhães Pinto; e, finalmente, Ministro de Estado das
Relações Exteriores no governo Médici. Mais importantes do que sua
trajetória pessoal, no entanto, foram as profundas transformações
por que passou o Brasil no período que coincide com sua carreira, e
que são, na realidade, o fio condutor de seu livro.
Com elegância e sensibilidade, Mario Gibson descreve algumas das
figuras mais importantes de nossa Diplomacia: suas páginas trazem
ricas histórias de Raul Fernandes ("o homem que viria a ser tão
importante em minha vida, que me daria todo seu afeto de pai que
nunca foi, que exerceria tão forte fascínio sobre mim e seria
determinante na minha carreira diplomática") e San Tiago Dantas
("depois que o encontrei, tanto sua figura de homem público como sua
persona me foram sendo reveladas no que para mim ficou sendo a minha
verdade [...]. Como e quando se organizará novamente um ser tão
excepcional? "). Não faltam tampouco análises penetrantes das mais
variadas personalidades políticas, do Brasil e do mundo, que Mario
Gibson conheceu durante sua carreira: Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros, Emílio Médici, Delfim Netto, Golda Meir, Henry Kissinger,
Richard Nixon, Anwar Sadat...
Exibe uma visão abrangente e perspicaz quando analisa os principais
momentos da política externa brasileira na segunda metade do século
XX. De forma bastante modesta, põe-se no lugar de observador, mesmo
nos momentos em que atuou de forma decisiva, para oferecer ao leitor
um relato preciso de momentos fundamentais da Diplomacia brasileira,
como o lançamento da Operação Pan-Americana, a expulsão do governo
cubano da OEA, o lançamento da idéia de Itaipu, a transferência do
Itamaraty para Brasília, o lançamento da Diplomacia do Interesse
Nacional no governo Médici, as crises com os Estados Unidos nos anos
70, a consolidação da política africana na Diplomacia brasileira.
Sua perspectiva de participante de todos esses momentos oferece ao
leitor uma nova visão dos fatos, que perdem parte do caráter formal
que imprimem os manuais de História Diplomática para, quase que
romanceados – sem prescindir, no entanto, de fidedignidade –
assumirem uma proximidade que atrai o leitor para dentro dos
acontecimentos, tornando-os muito mais interessantes à medida que se
revelam mais e mais próximos.
No livro, não faltam passagens que desvendam momentos de bastidores
da Diplomacia, sem que o autor, no entanto, se incline para a
vulgaridade do gossip, tão ao gosto de muitos (pseudo-)escritores de
memórias, inclusive ex-diplomatas. .. Uma das mais interessantes,
reveladora do caráter de Mario Gibson e de seu amor pela Casa, é um
diálogo que teve com o Presidente Médici, em 1971, a respeito de
críticas que o então super-ministro Delfim Netto tecera à política
africana lançada pelo Itamaraty. O Chanceler, ultrajado pelas
críticas de Delfim, mandara o Secretário-Geral, Embaixador Jorge de
Carvalho e Silva, rebatê-las por meio de nota à imprensa, o que
desagradou ao Presidente. Repreendido fortemente por Médici, Gibson
assumiu posição de resistência decidida: "Olha, Presidente, vamos
fazer um acordo? O senhor fala com o Delfim Netto para não se meter
no Itamaraty. Ele se mete em todos os Ministérios, eu não tenho nada
a ver com isso. Mas no meu não se mete". Ao que Médici respondeu,
sorrindo, de forma surpreendente para o próprio autor: "Você é um
pernambucano de sangue muito quente. É pior do que no Rio Grande!".
É com clareza, sensibilidade para os fatos e as pessoas e, mesmo,
certa informalidade que Mario Gibson tece em sua obra um quadro de
impressões nítidas sobre os cinqüenta anos de Diplomacia brasileira
dos quais foi co-adjuvante – ora secundário, ora principal, mas
sempre um co-adjuvante. "Não pretendi fazer desta narrativa uma
autobiografia, nem tampouco um livro de memórias", escreve-nos
Gibson. Não há no livro sua história; o que há ali são, como
reconhece o ex-Chanceler, "minhas histórias". Histórias da
Diplomacia, que se confundem com a história da vida de um homem
excepcional. A obra revela, talvez, a sina de todo diplomata: suas
vidas pessoal e profissional inevitavelmente se confundem, a ponto
de ser uma única vida, vida esta cujo "traço todo" está fadado a ser
a Diplomacia.
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