98) Fanatismo, a peste das almas
Uma resenha por Omar Barros, de 30.06.2006, neste link original.
Fanatismo, a peste das almas
Por Omar L. de Barros Filho
A peste das almas – histórias de fanatismo / Marcos Antônio Lopes, Marcos Lobato Martins. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 116 páginas
A mistura de religião e Estado já provocou julgamentos arbitrários, guerras, invasões, crimes em massa e progroms. Os ataques terroristas às torres gêmeas e a violenta resposta norte-americana estabeleceram um novo patamar para a luta entre muçulmanos fanáticos e os cruzados de Bush. O mundo ainda pode mudar para melhor?
“O mundo civilizado” que, a cada dia, acumula novos avanços científicos e tecnológicos e caminha para sua completa digitalização, recebe também o impacto de ondas de choque originadas no fanatismo religioso e secular. A expressão máxima desse fenômeno, na atualidade, são as atividades terroristas da Al Qaeda e outras organizações similares que, em nome dos livros sagrados, provocam banhos de sangue transnacionais. Seria o fanatismo algo novo, produto do mundo contemporâneo e suas contradições?
Em busca de uma resposta, os historiadores e professores Marco Antônio Lopes, da Universidade Estadual de Londrina, e Marcos Lobato Martins, da Universidade do Estado de Minas Gerais, escreveram o ensaio A Peste das Almas – Histórias de Fanatismo, recém publicado pela FGV Editora. O eixo da obra é uma pesquisa sobre o fanatismo e suas raízes históricas, que remontam, na cultura Ocidental, às cruzadas medievais e à intolerância religiosa européia manifestada cruelmente nos séculos XVI e XVII.
A volta ao passado, quando política e religião alimentavam êxodos e perseguições, segundo os autores, permite entender as razões e palavras de ordem dos modernos cruzados, tendo o presidente George Bush à frente. Para os pesquisadores, o caldeirão ferve com a resposta norte-americana contra a Al Qaeda – “uma idéia aggiornata de guerra religiosa que não encontrou seu lugar”- em seqüência aos atentados de 2001, que destruíram as torres gêmeas de Nova Iorque e deixaram milhares de mortos.
“Nos dias que correm, ações do terrorismo internacional desencadeadas pela rede Al Qaeda possuem como traços norteadores uma mescla de princípios políticos, questões econômicas, defesa de espaço geográfico estratégico, e, também, fervor religioso”, afirmam Lopes e Lobato Martins. “Atualmente, entre outros sentidos possíveis, como, por exemplo, um apego mais literal à letra das tradições religiosas, fundamentalismo islâmico passou a significar uma luta armada pela defesa do mundo islâmico, por oposição às interferências inaceitáveis do Ocidente em assuntos vitais do mundo árabe: o controle do petróleo, a ocupação de terras, as restrições ao desenvolvimento tecnológico”.
Assim, os historiadores identificam também a modernização do conceito de jihad pelo radicalismo islâmico contemporâneo, antes visto apenas como elemento de defesa. Na atualidade, jihad significa também ataque e produção ideológica de cunho místico. “Nas sociedades tradicionais afetadas por contatos com o Ocidente, onde ocorreram a destruição de conjuntos culturais e institucionais seculares e o enfraquecimento das formas locais de solidariedade, sem que essas sociedades tivessem logrado uma inserção apropriada na nova ordem mundial, um conjunto crescente de indivíduos experimenta condição terrível: não é parte do novo e nem vive à sombra protetora da tradição”, descrevem Lopes e Lobato Martins. O resultado é visível na extensão de ações terroristas incompreensíveis aos olhos ocidentais, que resultam, com freqüência, no suicídio dos visionários e fanatizados militantes. “Desesperançados e, não raro, desesperados, esses indivíduos deixam-se seduzir por aqueles que oferecem a causa do retorno à tradição” – analisam os pesquisadores.
Atraídos pelo radicalismo fundamentalista, homens transformam-se em sinônimos de martírio não somente para os povos do Ocidente, como foi observado nos atentados aos trens dos subúrbios de Madri, mas também em outros locais do mundo, qualquer um deles ao alcance da mão pesada e traiçoeira da rede Bin Laden e outras franquias em busca de um lugar nas trevas do terrorismo global.
Ao extrapolar todas as fronteiras nacionais, o fanatismo ganha cores e matizes diferentes, como os que são encontrados nas seitas fundamentalistas da Nova Era, reveladas ao mundo pelos pastores Jim Jones e Koresh. Tantas outras surgiram apoiadas em citações do Velho Testamento, cerrando fileiras sob a bandeira de um evangelismo cristão protestante (mas não luterano) e sectário. São eles que, ao praticar uma religiosidade áspera e coercitiva, entopem emissoras de tevê, rádios, estádios e avenidas, assim como milhares de frágeis igrejas no interior da alma da América, África e, em breve, Ásia. O Brasil, em sua docilidade católica, também já sente os sintomas da intolerância. Em Brasília, um grupo de estátuas doadas por um artista baiano, que representam divindades da umbanda, expostas em via pública, são freqüentemente atacadas e danificadas por evangélicos exaltados e puristas.
Instigante obra de intervenção, que ultrapassa os limites universitários, o ensaio produzido por Lopes e Lobato Martins entra no debate sem medo de opinar. De acordo com os dois historiadores, “é preciso aceitar a presença do ‘outro’, escutar seu próprio entendimento e anseio, dar-lhes oportunidades reais, ainda que isso pareça desterrar-nos do lugar que julgamos merecer”. E receitam como cura da “peste das almas”, o mesmo remédio proposto por Theodor Adorno (1950): “colocar em presença e convívio os que discriminam e o que são alvo dessa discriminação, esclarecendo e ensinando sobre si mesmos no cotidiano. Tarefa difícil, demorada, prova de paciência e tolerância. Exercício de compreensão e de razão”.
A peste das almas – histórias de fanatismo / Marcos Antônio Lopes, Marcos Lobato Martins. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 116 páginas
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Fanatismo, a peste das almas
Por Omar L. de Barros Filho
A peste das almas – histórias de fanatismo / Marcos Antônio Lopes, Marcos Lobato Martins. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 116 páginas
A mistura de religião e Estado já provocou julgamentos arbitrários, guerras, invasões, crimes em massa e progroms. Os ataques terroristas às torres gêmeas e a violenta resposta norte-americana estabeleceram um novo patamar para a luta entre muçulmanos fanáticos e os cruzados de Bush. O mundo ainda pode mudar para melhor?
“O mundo civilizado” que, a cada dia, acumula novos avanços científicos e tecnológicos e caminha para sua completa digitalização, recebe também o impacto de ondas de choque originadas no fanatismo religioso e secular. A expressão máxima desse fenômeno, na atualidade, são as atividades terroristas da Al Qaeda e outras organizações similares que, em nome dos livros sagrados, provocam banhos de sangue transnacionais. Seria o fanatismo algo novo, produto do mundo contemporâneo e suas contradições?
Em busca de uma resposta, os historiadores e professores Marco Antônio Lopes, da Universidade Estadual de Londrina, e Marcos Lobato Martins, da Universidade do Estado de Minas Gerais, escreveram o ensaio A Peste das Almas – Histórias de Fanatismo, recém publicado pela FGV Editora. O eixo da obra é uma pesquisa sobre o fanatismo e suas raízes históricas, que remontam, na cultura Ocidental, às cruzadas medievais e à intolerância religiosa européia manifestada cruelmente nos séculos XVI e XVII.
A volta ao passado, quando política e religião alimentavam êxodos e perseguições, segundo os autores, permite entender as razões e palavras de ordem dos modernos cruzados, tendo o presidente George Bush à frente. Para os pesquisadores, o caldeirão ferve com a resposta norte-americana contra a Al Qaeda – “uma idéia aggiornata de guerra religiosa que não encontrou seu lugar”- em seqüência aos atentados de 2001, que destruíram as torres gêmeas de Nova Iorque e deixaram milhares de mortos.
“Nos dias que correm, ações do terrorismo internacional desencadeadas pela rede Al Qaeda possuem como traços norteadores uma mescla de princípios políticos, questões econômicas, defesa de espaço geográfico estratégico, e, também, fervor religioso”, afirmam Lopes e Lobato Martins. “Atualmente, entre outros sentidos possíveis, como, por exemplo, um apego mais literal à letra das tradições religiosas, fundamentalismo islâmico passou a significar uma luta armada pela defesa do mundo islâmico, por oposição às interferências inaceitáveis do Ocidente em assuntos vitais do mundo árabe: o controle do petróleo, a ocupação de terras, as restrições ao desenvolvimento tecnológico”.
Assim, os historiadores identificam também a modernização do conceito de jihad pelo radicalismo islâmico contemporâneo, antes visto apenas como elemento de defesa. Na atualidade, jihad significa também ataque e produção ideológica de cunho místico. “Nas sociedades tradicionais afetadas por contatos com o Ocidente, onde ocorreram a destruição de conjuntos culturais e institucionais seculares e o enfraquecimento das formas locais de solidariedade, sem que essas sociedades tivessem logrado uma inserção apropriada na nova ordem mundial, um conjunto crescente de indivíduos experimenta condição terrível: não é parte do novo e nem vive à sombra protetora da tradição”, descrevem Lopes e Lobato Martins. O resultado é visível na extensão de ações terroristas incompreensíveis aos olhos ocidentais, que resultam, com freqüência, no suicídio dos visionários e fanatizados militantes. “Desesperançados e, não raro, desesperados, esses indivíduos deixam-se seduzir por aqueles que oferecem a causa do retorno à tradição” – analisam os pesquisadores.
Atraídos pelo radicalismo fundamentalista, homens transformam-se em sinônimos de martírio não somente para os povos do Ocidente, como foi observado nos atentados aos trens dos subúrbios de Madri, mas também em outros locais do mundo, qualquer um deles ao alcance da mão pesada e traiçoeira da rede Bin Laden e outras franquias em busca de um lugar nas trevas do terrorismo global.
Ao extrapolar todas as fronteiras nacionais, o fanatismo ganha cores e matizes diferentes, como os que são encontrados nas seitas fundamentalistas da Nova Era, reveladas ao mundo pelos pastores Jim Jones e Koresh. Tantas outras surgiram apoiadas em citações do Velho Testamento, cerrando fileiras sob a bandeira de um evangelismo cristão protestante (mas não luterano) e sectário. São eles que, ao praticar uma religiosidade áspera e coercitiva, entopem emissoras de tevê, rádios, estádios e avenidas, assim como milhares de frágeis igrejas no interior da alma da América, África e, em breve, Ásia. O Brasil, em sua docilidade católica, também já sente os sintomas da intolerância. Em Brasília, um grupo de estátuas doadas por um artista baiano, que representam divindades da umbanda, expostas em via pública, são freqüentemente atacadas e danificadas por evangélicos exaltados e puristas.
Instigante obra de intervenção, que ultrapassa os limites universitários, o ensaio produzido por Lopes e Lobato Martins entra no debate sem medo de opinar. De acordo com os dois historiadores, “é preciso aceitar a presença do ‘outro’, escutar seu próprio entendimento e anseio, dar-lhes oportunidades reais, ainda que isso pareça desterrar-nos do lugar que julgamos merecer”. E receitam como cura da “peste das almas”, o mesmo remédio proposto por Theodor Adorno (1950): “colocar em presença e convívio os que discriminam e o que são alvo dessa discriminação, esclarecendo e ensinando sobre si mesmos no cotidiano. Tarefa difícil, demorada, prova de paciência e tolerância. Exercício de compreensão e de razão”.
A peste das almas – histórias de fanatismo / Marcos Antônio Lopes, Marcos Lobato Martins. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 116 páginas
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