91) Uma senhorita aos 70 anos
Uma senhorita aos 70 anos: a USP
A Universidade de São Paulo (USP) é a única universidade brasileira a figurar entre as duzentas melhores do mundo. Ela é responsável por um quarto da produção científica brasileira, por mais de um quarto dos doutores e por quase um quinto dos mestres. Trate-se de um bom resultado para uma instituição que completou 70 anos recentemente. Sua esperança de vida era incerta em 1934, quando foi criada pelas elites paulistas para compensar a intervenção federal depois da Revolução de 1932. No início, ela carecia de equipamentos:os professores traziam de casa tubos de ensaio. Com o surgimento das instituições de fomento, ela cresceu até chegar ao que é hoje: uma instituição exemplar.
O livro é uma coleção de entrevistas, com "massa atômica"proporcional à contribuição da USP para a produção científica no Brasil: são oito reitores, vários vice-reitores e pró-reitores de graduação, de pós-graduação, de pesquisa e de extensão, num total de 32 personalidades. Seus depoimentos podem ser lidos como uma história coletiva, com saborosas passagens sobre a vida de cada um, em grande parte filhos de imigrantes pobres que tiveram sucesso graças ao esforço pessoal, às oportunidades abertas por São Paulo e alguma sorte. Sua leitura confirma, se preciso for, que a maior riqueza de uma nação está em seu próprio povo.
A primeira parte trata de uma história que vai muito além dos 70 anos de vida oficial: são 180 anos, desde criação da Faculdade de Direito, em 1827. A introdução, assinada pelo organizador, Shozo Motoyama, começa por um sobrevôo do papel da universidade na sociedade moderna e refaz sua trajetória no Brasil, detendo-se sobre a inserção da USP na história econômica, científica e política nacional. Ela se inicia com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que deveria fazer a junção das escolas existentes: faculdades de Direito, Medicina e de Farmácia e Odontologia, escolas Politécnica e Superior de Agricultura de Piracicaba. Foram contratados, em 1934, treze professores estrangeiros. Segundo um deles, Lévy-Strauss, seu papel mais importante não foi o ensino, mas a disciplina:os brasileiros eram bons, mas indisciplinados cientificamente. A USP foi internacionalizada desde o início, não apenas pela contribuição dos estrangeiros, mas também pelo envio dos melhores alunos ao exterior, numa época em que inexistiam as instituições de fomento. O regime de tempo integral, criado em 1946 sob iniciativa de José Reis, foi essencial para a integração do ensino com a pesquisa.
A USP acompanhou as vicissitudes da política nacional, desde os anos de crescimento otimista, na era Vargas e Kubitschek, até o renascimento democrático, em 1985, passando pelo cerceamento do pensamento, na ditadura. Alguns dos cientistas expulsos nessa fase voltaram e propuseram um Instituto de Estudos Avançados, efetivado pelo reitor José Goldemberg. Também surgiu o Centro Interunidade de História da Ciência, que veio a ter importante papel na memória da produção científica e tecnológica brasileira, refletido nesse mesmo volume. Recentemente, a USP caminhou no sentido de uma maior integração com a comunidade, inaugurando, em 2005, um novo campus, a USP-Leste.
Os três primeiros capítulos tratam do "longo antecedente"(entre 1827 e 1934), da "construção da universidade" (dos anos 1930 à ditadura, em 1969) e da "universidade resistente", isto é, os vinte anos posteriores até 1989, quando foram aprovados novos estatutos. Alguns episódios são dolorosos, como a cassação de setenta professores com o AI-5. A trajetória de resistência ao regime autoritário é contada paralelamente ao relato da gestão de cada um dos reitores, até a administração Goldemberg (1986-1990), que realizou grandes reformas. Sua maior vitória, com as demais universidades paulistas, foi a conquista da autonomia orçamentária, com a vinculação de parte das receitas do ICMS. Outra iniciativa sua, controversa na época, hoje corriqueira, foi a introdução da avaliação dos professores, responsável pelo enorme salto na produção científica.
Os ensaios históricos, cobrindo a história educacional brasileira até 1989, e os depoimentos, que alcançam nossos dias, constituem o mais amplo relato que se conhece sobre uma instituição exemplar de ensino e pesquisa, única em sua categoria pela qualidade da produção científica. O livro combina a história oral com a reconstituição do processo histórico que explica as razões desse sucesso acadêmico e científico.
Paulo Roberto de Almeida
USP 70 Anos: Imagens de uma História Vivida
Shozo Motoyama (org. )
São Paulo: EdUSP, 2006, 704 p. , R$ 120, 00
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