83) Livro sobre a Agenda Economica Brasileira
Um novo modelo econômico para o Brasil
Comentários e observações de Paulo Roberto de Almeida ao livro Agenda Brasil
(destacados entre parênteses e iniciadas com a sigla PRA)
Sumário do livro:
João Sicsú, José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula (orgs.)
Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços
(Barueri-Rio de Janeiro: Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p)
O texto apresentado a seguir é um sumário das principais proposições contidas no livro "Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços", publicado pela Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p., tendo como organizadores e autores, João Sicsú (UFRJ), José Luís Oreiro (UFPR) e Luiz Fernando de Paula (UERJ) e os demais autores: Carmem Feijó (UFF), Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Fernando Ferrari-Filho (UFRGS), Guilherme Jonas (UFPR), Helder Ferreira de Mendonça (UFF), Jennifer Hermann (UFRJ), Marco Crocco (UFMG), Renaut Michel (UCAM), Rogério Sobreira (EBAPE/FGV) e Sidney de Castro Oliveira (UFRJ).
O livro Agenda Brasil foi lançado no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro de 2003 (na livraria Letras & Expressões) e, posteriormente, em Campinas, Curitiba e Belo Horizonte. Algumas fotos do lançamento do Rio, assim como a capa, o sumário e opiniões dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira, João Sayad e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o livro, podem ser encontradas no site www.ie.ufrj.br/moeda
1. Alguns pressupostos do Agenda Brasil
Agenda Brasil é um livro de diagnósticos e propostas para transformação da realidade econômica brasileira. Foi concebido por iniciativa do Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro, grupo de natureza interinstitucional (UFRJ, UERJ, UFPR, UFF, EBAPE/FGV, UFMG e UFRGS) sediado no Instituto de Economia da UFRJ. Propõe-se no livro uma alternativa de modelo de política econômica factível que, portanto, pode e deveria ser adotado no País. Não se propõe um modelo de ruptura - o que se propõe é uma transição processual e reformista.
(PRA: a despeito da ressalva, o livro e o conjunto de propostas formuladas por seus autoress constituem, sim, um modelo de ruptura, não com o capitalismo, obviamente, pois subsistem muito poucos defensores de qualquer modo de produção alternativo ao existente, mas uma ruptura com a gestão “conservadora” em economia, que na verdade nem chega a ser uma proposta “revolucionária”, mas sim “passadista”, reacionária, no sentido em que se propõe a volta com receitas e recomendações seguidas no passado e que já provaram ou sua inocuidade ou sua nocividade do ponto de vista da boa gestão macroeconômica do país. Não se deve ter nada contra, em princípio, promessas de “ruptura”, pois por vezes elas são necessárias, mas seria importante assumi-las pelo que elas são, não negar-lhes o caráter de profunda inversão do modelo econômico seguido pelo país nos últimos dez anos, que é o que propõem, justamente, este livro e os seus autores. Não se deve ter medo de assumir a responsabilidade intelectual por propostas de ruptura: eu, por exemplo, também proponho a ruptura com esse “modelo” – vá lá, o termo, com o qual não concordo – mas entendo que a minha proposta vá num sentido contrário ao pretendido pelo grupo autor do livro, já que não proponho mais intervenção estatal na economia – que é, basicamente, o que nos estão prometendo esses autores, mas sim uma liberação geral dos entraves colocados pelo Estado para o livre jogo de mercado e a criação de condições institucionais e estruturais para o investimento privado e a intensificação dos intercâmbios globais, sem os controles que eles ainda pretendem impor, contra todas as evidências de sua ineficiência no passado.)
Agenda Brasil tem como ponto de partida dois pressupostos fundamentais. O primeiro é que o modelo de política econômica adotado a partir de meados da década de 1990 pelo governo brasileiro não conseguiu eliminar os entraves ao crescimento sustentado da nossa economia, que estão fundamentalmente no setor externo.
(PRA: O primeiro pressuposto já parte de um diagnóstico errado, uma vez que ele parte de uma afirmação não fundamentada, que consiste em acusar um suposto modelo, não definido e não formalizado explicitamente, por um suposto fracasso, a de superar os entraves ao crescimento econômico do país, cuja responsabilidade vai muito além de um simples “modelo” de política econômica, e toca nas próprias instituições do país, atingindo sua estrutura econômica e as condições nas quais se movem os agentes econômicos. Por outro lado, esse “pressuposto” parte de uma “constatação” no mínimo incorreta, e em grande medida equivocada ou exagerada, que seria a transferência de nossos fracassos em manter um ritmo de crescimento sustentado para o plano externo, descurando por completo sua natureza essencialmente interna. O chamado “estrangulamento externo” constitui a mais freqüente “obsessão” dos nossos economistas ditos “estruturalistas”, desde a era Prebisch, pelo menos. Se, em algum momento, esse “estrangulamento externo” representou algum tipo de entrave ao processo de desenvolvimento do Brasil, há muito tempo ele deixou de desempenhar esse papel, e a ênfase exagerada em sua importância recorrente constitui a mais notável miopia analítica desse conjunto de economistas. Nossos entraves ao crescimento não estão, como afirmado, “fundamentalmente no setor externo”, mas são, em sua maior parte, localizados no próprio Brasil. Não reconhecer isso, quando o mundo cresce muito mais do que o Brasil, é de uma miopia incompreensível para economistas supostamente bem informados.)
Em outras palavras, o tripé de política econômica adotado a partir de 1999 – baseado na geração de superávites primários elevados (atualmente em 4,25% do PIB a.a.), metas de inflação e regime de câmbio flutuante – não tem garantido o crescimento sustentado. De fato, a tendência da economia brasileira nos últimos anos tem sido de semi-estagnação, com crescimento médio de 2,0% a.a. no período 1996/2002.
(PRA: Os autores não reconhecem a existência de um problema fiscal no Brasil. Para eles, a geração de superávites é uma mera perversão das autoridades econômicas, algo como uma maldade gratuita, como se os líderes políticos gostassem de infligir ao país sofrimento desnecessário. Da mesma forma, metas de inflação e regime de câmbio flutuante são condenáveis em si, apenas pelo fato de não “entregarem” crescimento sustentado, como se medidas de política monetária, em seu sentido estrito, tivessem a obrigação de fazer algo mais do que são supostas fazer, isto é, garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, e como se o crescimento tivesse de ser o resultado obrigatório de sua implementação, na ausência de quaisquer outras políticas ou práticas associadas ao meio ambiente macroeconômico que deve embasar o processo de crescimento, que também requer condições institucionais e infra-estruturais, inclusive no plano microeconômico para sua manifestação adequada.)
Em segundo lugar, a economia tem se caracterizado por ciclos da conhecida forma stop-and-go cujos ritmo e amplitude são determinados essencialmente pelos humores, vontades e expectativas dos mercados financeiros doméstico e, principalmente, internacional.
(PRA: Não é principalmente “internacional” o condicionante essencial do atual ciclo de stop-and-go da economia brasileira, e sim de ordem interna. Por outro lado, não são os humores dos mercados financeiros que determinam seu comportamento, e se fossem, eles seriam favoráveis, pois a oferta de liquidez tem sido adequada, assim como a disponibilidade de investimentos externos. As razões devem ser buscadas em outra parte, mas suspeito que os autores do livro partiram da “idéia fixa” das limitações externas, e financeiras, ao crescimento econômico. Tal obsessão deveria merecer um pouco mais de fundamentação empírica.)
2. As Linhas Gerais de um Novo Modelo Econômico
2.1)-O Brasil é um caso relativamente singular dentre os países chamados emergentes, já que as políticas liberais-conservadoras sugeridas pelo Fundo Monetário Internacional eram e são adotadas voluntariamente pelos nossos governos – até recentemente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma eventual reorientação da política econômica doméstica só seria possível com a liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo. A principal proposição relativamente ao FMI é precisamente a não submissão às suas idéias, não renovando acordos, especialmente aqueles que não são necessários e recuperando, desta forma, a autonomia de decisão doméstica sobre políticas macroeconômicas e reformas institucionais.
(PRA: Ao contrário do que dizem os autores, as políticas recomendadas pelo FMI não foram e não são adotadas voluntariamente pelas autoridades econômicas, mas apenas in extremis, na iminência de um crise econômica ou de uma ruptura de pagamentos externos. O qualificativo de “liberais-conservadoras” dado a essas políticas já revela o ânimo dos autores de mais acusar do que de explicar, ou de justificar o apelativo, que em si não quer dizer absolutamente nada, pois da mesma forma se poderia qualificar suas propostas de “intervencionistas-revolucionárias”, sem que isso acrescente qualquer coisa de útil ao debate econômico.
Em segundo lugar, a “liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo” não muda absolutamente nada o caráter e o conteúdo das políticas econômicas internas, que não são determinadas pelo Fundo, mas decididas pelas autoridades com base numa avaliação da situação concreta. Tanto é assim que a não recondução do acordo com o FMI, em março de 2005, e a “liquidação” antecipada das amortizações devidas não significou nenhuma mudança fundamental, não na orientação, mas na situação econômica do Brasil. O Brasil tem autonomia “recuperada”, mas o que isso implica em termos de condições macroeconômicas concretas? Nada além disso: podemos decidir nós mesmos o que fazer com as orientações de política econômica. Isso não muda em nada a situação fiscal e a natureza dos entraves ao nosso processo de crescimento, que continuam pesando sobre nós mesmos como antes.
A tentativa de “externalizar” nossos problemas fundamentais constitui a mais notória, e a mais ineficiente, escapatória aos nossos problemas básicos, que são todos “made in Brasil”. Não reconhecer isso é querer jogar areia nos olhos de quem deve participar desse debate de forma consciente e bem informada. Não preciso reafirmar aqui que essa ênfase exagerada no caráter externo dos nossos problemas constitui o mais sério impedimento a seu encaminhamento de modo satisfatório.)
2.2)-Com relação a política antiinflacionária, defende-se que se evite utilizar a taxa de juros para controlar a inflação. A elevação da taxa de juros básica (a taxa Selic) somente é capaz de reduzir a inflação se causar redução dos gastos de consumo e investimento, gerando desemprego, reduzindo a demanda e inibindo, em conseqüência, o empresariado a reajustar seus preços - já que o contexto torna-se bastante desfavorável. Utilizar a taxa de juros para combater a inflação é o mesmo que gerar desemprego para combater a inflação, o que não é aceitável dentro de um novo modelo econômico que visa o crescimento sustentável com equidade social. Assim, propõe-se elaborar um conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços. Por exemplo, proibir a indexação de quaisquer preços da economia, entre esses, tarifas de serviços públicos, aluguéis, salários etc. Organizar câmaras setoriais para sincronizar aumentos salariais e/ou margens de lucro com aumentos de produtividade.
(PRA: Os autores pretendem retirar a cobra da cesta tocando flauta. Propõem que não se use a taxa de juros para combater a inflação, mas não têm nada a propor em troca, a não ser a proibição da indexação de preços e a negociação entre setores interessados, justamente, na alta de seus “preços” relativos, que são os salários e os lucros. Poucos preços são indexados hoje na economia brasileira, e esses que o são deveriam, de fato, sofrer um processo de desindexação, com base numa maior abertura da economia à concorrência, pois eles estão estão, justamente, em setores relativamente oligopolizados ou cartelizados, que mereceram tal “proteção” no passado, em virtude dos processos de privatização e desestatização, para criar as condições de atratividade aos investimentos, o que hoje não se justifica mais.
Esse “conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços” que eles pregam não têm nenhum sentido, a não ser que pretendam a volta aos controles de preços ou, justamente, essas “câmaras setoriais”, que nunca resolveram nada, a não ser estabelecer um “pacto perverso” pelo qual os atores em pauta transferem para o resto da sociedade sua avidez por salários e lucros maiores. Já vimos esse filme no passado, ele não resolveu nada e não pode resolver, a não ser manter o ímpeto inflacionário.
O alegado objetivo do “crescimento sustentável com equidade social” não quer dizer absolutamente nada, pois ninguém seria a favor do não crescimento com aumento das desigualdades. É o que se chama de proposta inócua, pois apenas essa afirmação não constitui um novo “modelo econômico”. Modelos, em princípio, não existem, mas se os autores pretendem propor algum precisariam sair do nível de generalidade em que se situam. A renúncia à alavanca dos juros, por exemplo, pode ser uma proposta concreta, mas se eles não dizem o que vão colocar no seu lugar, isso tem tanta consistência quanto um pudim de clara de ovos. Os “instrumentos”que eles propõem são risíveis ou ineficientes como “controle de preços”: já provaram no passado não funcionar e continuarão não funcionando no presente e no futuro.)
Ademais, seria necessário substituir importações, estabelecer um novo regime cambial e controlar o movimento internacional de capitais financeiros para reduzir a "importação de inflação", que contamina a economia doméstica seja pelo aumento do preço do dólar, seja pelo aumento do preço em dólar de produtos adquiridos no exterior.
(PRA: os autores nos garantem aqui um conjunto de medidas que seriam inflacionárias e “produtoras” de fuga de capitais, sem assumir nenhuma responsabilidade pelos efeitos deletérios que essas medidas teriam sobre o conjunto da economia. Há praticamente dois anos o país convive com a baixa do preço do dólar, o que também para eles deve ser deletério, pois pretendem um “câmbio administrado”. Faltou dizer em benefício de quem, pois qualquer “preço cambial” produz “ricos” e “pobres” numa ou noutra ponta da equação, que o que se presume que resultaria da sua política de administração cambial seria uma transferência de renda do conjunto da sociedade para os exportadores brasileiros, que assim se veriam desobrigados de investir em ganhos de produtividade e melhorias na sua competitividade internacional. Trata-se de um Robin Hood às avessas, pois a erosão cambial torna a todos mais pobres, e apenas alguns mais ricos.
“Substituir importações” é apenas um novo nome para protecionismo tarifário, “defesa” cambial e outros mecanismos defensivos em política comercial. Trata-se de um “tiro no pé”, da mesma forma como o controle de capitais, que só consegue impedir o ingresso de investimentos, mas não a saída de capitais – nacionais – da economia.)
2.3)-No que se refere ao regime cambial, propõe-se substituir o regime atual de flutuação cambial pura e livre por um regime de minidesvalorizações programadas da taxa de câmbio (ou seja, crawling-peg ativo com regras implícitas e flexíveis). A livre e plena flutuação da taxa de câmbio, num contexto de grande mobilidade de capitais, gera uma grande volatilidade da taxa de câmbio, a qual, por um lado, dificulta a gestão da política macroeconômica e, por outro, aumenta a incerteza entre os tomadores de decisão a respeito de valores futuros, tais como, custo de produção/comercialização e receitas de exportação. Essa incerteza adicional desestimula o investimento, reduzindo o crescimento econômico.
(PRA: O que os autores propõem é um mecanismo automático e regular (isto é, recorrente) de realimentação da inflação, ademais de um “prêmio” aos ineficientes que não gostam de competir com ofertantes externos. Quem não gosta de volatilidade na taxa de câmbio prefere, certamente, a promessa de uma pressão permanente sobre os preços, o que faz com que todos os agentes tenham certeza de que podem corrigir os seus preços num determinado patamar, o que, pela “lei” das antecipações, se traduz por uma correção preventiva maior do que a estabelecida no mecanismo oficial de crawling-peg. Os autores devem adorar exportadores ineficientes e gostam de infligir sofrimento ao conjunto da população.)
Neste contexto, é necessário a adoção, por parte do Banco Central do Brasil, de um regime cambial que: (i) permita a manutenção da taxa real de câmbio num patamar consistente com a obtenção de grandes superávites na balança comercial, (ii) auxilie na redução da volatilidade da taxa de câmbio e (iii) auxilie na manutenção da estabilidade do nível de preços. Esse regime necessariamente deve ser apoiado por medidas de controles sobre o fluxo internacional de capitais e pela formação de um montante considerável de reservas por parte do Banco Central.
(PRA: Pretender fixar a “taxa real de câmbio” é como ter uma bola de cristal, o que não parece estar ao alcance desses autores, nem do próprio Banco Central. Em lugar de grandes superávites na balança comercial, o que qualquer país deve pretender são grandes fluxos em ambos os sentidos das transações correntes, pois isso assegura um nível adequado de irrigação da economia em divisas, o que diminui, ipso facto, o grau de volatilidade no setor externo. Esse fluxo ampliado também contribui para gerar maior estabilidade nos preços internos, pois a concorrência na oferta é a melhor garantia de que os ofertantes internos não possam impunemente aumentar os seus preços.)
2.4)-No contexto de uma nova arquitetura de política econômica, em que se introduzem
controles de capitais e uma política antiinflacionária não-monetária, e considerando o nível corrente relativamente alto da capacidade ociosa da industria brasileira, sustenta-se que é possível fazer uma redução firme e gradual na taxa básica de juros (taxa Selic) para um patamar real de 6% (ou um pouco menos) ao ano - patamar necessário e compatível com um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. A taxa de juros é muito alta no Brasil porque o governo atribui a mesma múltiplas funções: combate a inflação, equilíbrio do balanço de pagamentos e rolagem da dívida pública.
(PRA: Diagnóstico exemplarmente equivocado. A taxa de juros é alta no Brasil porque acumulamos muitos passivos não cobertos pelos orçamentos correntes, o que é na essência um problema fiscal. O problema dos autores é que eles não reconhecem a existência de um problema fiscal no brasil. Ainda que se admita que os juros no Brasil são abusardamente altos, e que o BC exagera na dose, não há como resolver o problema dos juros no Brasil sem corrigir as distorções fiscais, sem abrir o sistema de crédito a mais concorrência e sem diminuir a pressão “extrativa” do Estado brasileiro sobre o conjunto da economia.)
2.5)-Defende-se uma estratégia de sustentabilidade da dívida pública e de política fiscal ativa gerando-se – inicialmente - um superávit primário de 3,0% do PIB. A estabilização da dívida pública como proporção do PIB não depende apenas do superávit primário, mas na realidade da combinação entre superávit primário/crescimento do produto/taxa real de juros.
(PRA: Os comentários anteriores permanecem válidos aqui também. Um superávit primário de apenas 3% será suficiente quando a dívida pública no Brasil tiver caído para menos de 30% do PIB. O crescimento é importante, mas o problema brasileiro é justamente o de ter crescimento insuficiente, e isso tem outros fatores que não apenas os juros.)
Sendo assim, a dívida pública como proporção do PIB poderia ser reduzida caso se adotasse um outro modelo econômico, comprometido com o crescimento e defendido dos humores dos investidores financeiros, que adotasse uma taxa real de juros mais baixa e um menor superávit primário, portanto, um crescimento mais acelerado do PIB.
(PRA: Pretender isso é magia econômica, sem dar os meios.)
Nossas estimativas indicam que um superávit primário de 3,0% do PIB, em conjunto com uma taxa real de juros de 6% e um crescimento econômico de 5,0% ao ano, seria suficiente para reduzir a dívida para menos de 50% do PIB até 2011 e para possibilitar a implementação de políticas fiscais ativas com a realização de obras de infra-estrutura e programas sociais abrangentes.
(PRA: Correto, mas o problema é que já estamos com 51% do PIB na dívida e o esforço fiscal tem de ser bem maior. O crescimento nesse nível não virá e a taxa de juros não será reduzida apenas politicamente.)
Contudo, deve-se reconhecer que a meta 3% do PIB para o superávit primário que foi sugerida para um período tão longo é bastante cautelosa, já que o superávit primário deve ser determinado por um conjunto de fatores que se alteram ao longo dos anos: capacidade ociosa existente, taxa de desemprego etc. Em outras palavras, esta meta poderia ser revista caso as condições fossem extremamente favoráveis, como um crescimento continuado do PIB superior a 5% ao ano ou, alternativamente, caso as condições fossem desfavoráveis, isto é, diante de uma taxa de desemprego muito elevada.
(PRA: O problema é que as condições são extremamente desfavoráveis...)
2.6)-A introdução de controles na entrada e saída de capitais é uma medida fundamental para viabilizar um novo modelo econômico. Os objetivos fundamentais da proposta de política de controles de capitais para o Brasil são: (i) permitir maior autonomia da política monetária, fiscal e cambial; (ii) garantir o equilíbrio do saldo em transações correntes do balanço de pagamentos, ao impedir que a entrada de grandes fluxos de capital no país gere uma forte apreciação da taxa real de câmbio; (iii) reduzir a volatilidade da taxa de câmbio. A mudança do regime cambial e a redução da taxa de juros para patamares compatíveis com o crescimento a um ritmo de 5,0% ao ano requer a redução do grau de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos brasileiro. Isso pode ser obtido com medidas como a introdução de depósitos compulsórios não remunerados por um período de 1 ano sobre os capitais externos que entram no país e pelo aumento considerável do IOF sobre todas as aplicações financeiras de não-residentes no Brasil, além de outras medidas complementares, como limitação a exposição dos bancos ao risco cambial e o estabelecimento de limites e regras para a movimentação de recursos da Conta CC5.
(PRA: A política proposta redundaria não apenas em que não teremos mais capitais entrando, como os capitais nacionais procurariam rapidamente a porta de saída. Trata-se de retrocesso inacreditável na política econômica.)
2.7)-A compatibilidade entre uma nova política macroeconômica com políticas setoriais (política industrial e tecnológica, política de investimentos em infra-estrutura, etc.) é vital para viabilizar um crescimento econômico sustentável, de modo a superar tanto o estrangulamento externo quanto possíveis gargalos no processo de crescimento (ex: energia elétrica). Para tanto, deve-se construir a confiança no desempenho futuro da economia através de políticas macroeconômicas e industriais apropriadas. A responsabilidade pela criação de um ambiente seguro e positivo ao crescimento econômico depende do Estado que deve desenvolver instrumentos e mecanismos de coordenação entre os agentes econômicos em torno de um projeto comum de desenvolvimento.
(PRA: Nada contra “políticas adequadas”, mas no Brasil “políticas setoriais” sempre são favorecimento a setores específicos, ou transferência de dinheiro para quem já é rico, como os industriais da FIESP e outros espertos que “provam” que o seu setor é “estratégico” para a economia nacional. Estratégico para mim é educação de qualidade, todo o resto pode ser provisto pelo mercado.)
2.8)-Neste contexto, deve-se estimular e criar condições para a retomada do investimento produtivo de forma sustentada. A retomada do investimento deve visar a redução da dependência de capitais externos e o aumento da produtividade, do salário real e do nível de emprego. Por exemplo, a política industrial deve ser discricionária, tendo como norteador a necessidade do país gerar superávites comerciais para diminuir a nossa vulnerabilidade externa. A política de emprego deve simultaneamente promover o aumento dos postos de trabalho, via aumento do investimento e do gasto público, e reduzir o grau de informalidade, através de políticas de apoio às pequenas e médias empresas, incluindo a agricultura familiar.
(PRA: Parece que os autores nunca ouviram falar de constrangimento fiscal. O Estado não tem dinheiro nem para os gastos correntes, quanto mais para aumentar investimentos públicos em setores geradores de emprego. Reduzir “dependência” de capitais externos é outra obsessão desses economistas, quando apenas países com contas desequilibradas apresentam essa dependência.)
O livro "Agenda Brasil" contém ainda propostas em outros campos cruciais para a construção de um novo modelo econômico, tais como, a necessidade de instituição de mecanismos privados de financiamento de longo prazo na economia, o reordenamento dos instrumentos de financiamento para o desenvolvimento regional e a implantação de instrumentos que visam a melhora da distribuição da renda no País.
(PRA: Pela primeira vez se fala em mecanismos privados de financiamento, o que é de certo modo surpreendente, quando ele deveria estar na base do processo de crescimento. “Construção de um novo modelo econômico” é uma frase de efeito, que não quer dizer absolutamente nada, ou tudo, depende de como se olha o processo. Os autores, por exemplo, acreditam em mais intervencionismo estatal, em controles de capitais, em papel primordial do Estado como investidor primário e coisas do gênero. Acho que eles vão continuar ensinando nos bancos universitários, pois parecem pouco preparados para administrar o país real.)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de dezembro de 2005.
Comentários e observações de Paulo Roberto de Almeida ao livro Agenda Brasil
(destacados entre parênteses e iniciadas com a sigla PRA)
Sumário do livro:
João Sicsú, José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula (orgs.)
Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços
(Barueri-Rio de Janeiro: Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p)
O texto apresentado a seguir é um sumário das principais proposições contidas no livro "Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços", publicado pela Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p., tendo como organizadores e autores, João Sicsú (UFRJ), José Luís Oreiro (UFPR) e Luiz Fernando de Paula (UERJ) e os demais autores: Carmem Feijó (UFF), Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Fernando Ferrari-Filho (UFRGS), Guilherme Jonas (UFPR), Helder Ferreira de Mendonça (UFF), Jennifer Hermann (UFRJ), Marco Crocco (UFMG), Renaut Michel (UCAM), Rogério Sobreira (EBAPE/FGV) e Sidney de Castro Oliveira (UFRJ).
O livro Agenda Brasil foi lançado no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro de 2003 (na livraria Letras & Expressões) e, posteriormente, em Campinas, Curitiba e Belo Horizonte. Algumas fotos do lançamento do Rio, assim como a capa, o sumário e opiniões dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira, João Sayad e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o livro, podem ser encontradas no site www.ie.ufrj.br/moeda
1. Alguns pressupostos do Agenda Brasil
Agenda Brasil é um livro de diagnósticos e propostas para transformação da realidade econômica brasileira. Foi concebido por iniciativa do Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro, grupo de natureza interinstitucional (UFRJ, UERJ, UFPR, UFF, EBAPE/FGV, UFMG e UFRGS) sediado no Instituto de Economia da UFRJ. Propõe-se no livro uma alternativa de modelo de política econômica factível que, portanto, pode e deveria ser adotado no País. Não se propõe um modelo de ruptura - o que se propõe é uma transição processual e reformista.
(PRA: a despeito da ressalva, o livro e o conjunto de propostas formuladas por seus autoress constituem, sim, um modelo de ruptura, não com o capitalismo, obviamente, pois subsistem muito poucos defensores de qualquer modo de produção alternativo ao existente, mas uma ruptura com a gestão “conservadora” em economia, que na verdade nem chega a ser uma proposta “revolucionária”, mas sim “passadista”, reacionária, no sentido em que se propõe a volta com receitas e recomendações seguidas no passado e que já provaram ou sua inocuidade ou sua nocividade do ponto de vista da boa gestão macroeconômica do país. Não se deve ter nada contra, em princípio, promessas de “ruptura”, pois por vezes elas são necessárias, mas seria importante assumi-las pelo que elas são, não negar-lhes o caráter de profunda inversão do modelo econômico seguido pelo país nos últimos dez anos, que é o que propõem, justamente, este livro e os seus autores. Não se deve ter medo de assumir a responsabilidade intelectual por propostas de ruptura: eu, por exemplo, também proponho a ruptura com esse “modelo” – vá lá, o termo, com o qual não concordo – mas entendo que a minha proposta vá num sentido contrário ao pretendido pelo grupo autor do livro, já que não proponho mais intervenção estatal na economia – que é, basicamente, o que nos estão prometendo esses autores, mas sim uma liberação geral dos entraves colocados pelo Estado para o livre jogo de mercado e a criação de condições institucionais e estruturais para o investimento privado e a intensificação dos intercâmbios globais, sem os controles que eles ainda pretendem impor, contra todas as evidências de sua ineficiência no passado.)
Agenda Brasil tem como ponto de partida dois pressupostos fundamentais. O primeiro é que o modelo de política econômica adotado a partir de meados da década de 1990 pelo governo brasileiro não conseguiu eliminar os entraves ao crescimento sustentado da nossa economia, que estão fundamentalmente no setor externo.
(PRA: O primeiro pressuposto já parte de um diagnóstico errado, uma vez que ele parte de uma afirmação não fundamentada, que consiste em acusar um suposto modelo, não definido e não formalizado explicitamente, por um suposto fracasso, a de superar os entraves ao crescimento econômico do país, cuja responsabilidade vai muito além de um simples “modelo” de política econômica, e toca nas próprias instituições do país, atingindo sua estrutura econômica e as condições nas quais se movem os agentes econômicos. Por outro lado, esse “pressuposto” parte de uma “constatação” no mínimo incorreta, e em grande medida equivocada ou exagerada, que seria a transferência de nossos fracassos em manter um ritmo de crescimento sustentado para o plano externo, descurando por completo sua natureza essencialmente interna. O chamado “estrangulamento externo” constitui a mais freqüente “obsessão” dos nossos economistas ditos “estruturalistas”, desde a era Prebisch, pelo menos. Se, em algum momento, esse “estrangulamento externo” representou algum tipo de entrave ao processo de desenvolvimento do Brasil, há muito tempo ele deixou de desempenhar esse papel, e a ênfase exagerada em sua importância recorrente constitui a mais notável miopia analítica desse conjunto de economistas. Nossos entraves ao crescimento não estão, como afirmado, “fundamentalmente no setor externo”, mas são, em sua maior parte, localizados no próprio Brasil. Não reconhecer isso, quando o mundo cresce muito mais do que o Brasil, é de uma miopia incompreensível para economistas supostamente bem informados.)
Em outras palavras, o tripé de política econômica adotado a partir de 1999 – baseado na geração de superávites primários elevados (atualmente em 4,25% do PIB a.a.), metas de inflação e regime de câmbio flutuante – não tem garantido o crescimento sustentado. De fato, a tendência da economia brasileira nos últimos anos tem sido de semi-estagnação, com crescimento médio de 2,0% a.a. no período 1996/2002.
(PRA: Os autores não reconhecem a existência de um problema fiscal no Brasil. Para eles, a geração de superávites é uma mera perversão das autoridades econômicas, algo como uma maldade gratuita, como se os líderes políticos gostassem de infligir ao país sofrimento desnecessário. Da mesma forma, metas de inflação e regime de câmbio flutuante são condenáveis em si, apenas pelo fato de não “entregarem” crescimento sustentado, como se medidas de política monetária, em seu sentido estrito, tivessem a obrigação de fazer algo mais do que são supostas fazer, isto é, garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, e como se o crescimento tivesse de ser o resultado obrigatório de sua implementação, na ausência de quaisquer outras políticas ou práticas associadas ao meio ambiente macroeconômico que deve embasar o processo de crescimento, que também requer condições institucionais e infra-estruturais, inclusive no plano microeconômico para sua manifestação adequada.)
Em segundo lugar, a economia tem se caracterizado por ciclos da conhecida forma stop-and-go cujos ritmo e amplitude são determinados essencialmente pelos humores, vontades e expectativas dos mercados financeiros doméstico e, principalmente, internacional.
(PRA: Não é principalmente “internacional” o condicionante essencial do atual ciclo de stop-and-go da economia brasileira, e sim de ordem interna. Por outro lado, não são os humores dos mercados financeiros que determinam seu comportamento, e se fossem, eles seriam favoráveis, pois a oferta de liquidez tem sido adequada, assim como a disponibilidade de investimentos externos. As razões devem ser buscadas em outra parte, mas suspeito que os autores do livro partiram da “idéia fixa” das limitações externas, e financeiras, ao crescimento econômico. Tal obsessão deveria merecer um pouco mais de fundamentação empírica.)
2. As Linhas Gerais de um Novo Modelo Econômico
2.1)-O Brasil é um caso relativamente singular dentre os países chamados emergentes, já que as políticas liberais-conservadoras sugeridas pelo Fundo Monetário Internacional eram e são adotadas voluntariamente pelos nossos governos – até recentemente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma eventual reorientação da política econômica doméstica só seria possível com a liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo. A principal proposição relativamente ao FMI é precisamente a não submissão às suas idéias, não renovando acordos, especialmente aqueles que não são necessários e recuperando, desta forma, a autonomia de decisão doméstica sobre políticas macroeconômicas e reformas institucionais.
(PRA: Ao contrário do que dizem os autores, as políticas recomendadas pelo FMI não foram e não são adotadas voluntariamente pelas autoridades econômicas, mas apenas in extremis, na iminência de um crise econômica ou de uma ruptura de pagamentos externos. O qualificativo de “liberais-conservadoras” dado a essas políticas já revela o ânimo dos autores de mais acusar do que de explicar, ou de justificar o apelativo, que em si não quer dizer absolutamente nada, pois da mesma forma se poderia qualificar suas propostas de “intervencionistas-revolucionárias”, sem que isso acrescente qualquer coisa de útil ao debate econômico.
Em segundo lugar, a “liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo” não muda absolutamente nada o caráter e o conteúdo das políticas econômicas internas, que não são determinadas pelo Fundo, mas decididas pelas autoridades com base numa avaliação da situação concreta. Tanto é assim que a não recondução do acordo com o FMI, em março de 2005, e a “liquidação” antecipada das amortizações devidas não significou nenhuma mudança fundamental, não na orientação, mas na situação econômica do Brasil. O Brasil tem autonomia “recuperada”, mas o que isso implica em termos de condições macroeconômicas concretas? Nada além disso: podemos decidir nós mesmos o que fazer com as orientações de política econômica. Isso não muda em nada a situação fiscal e a natureza dos entraves ao nosso processo de crescimento, que continuam pesando sobre nós mesmos como antes.
A tentativa de “externalizar” nossos problemas fundamentais constitui a mais notória, e a mais ineficiente, escapatória aos nossos problemas básicos, que são todos “made in Brasil”. Não reconhecer isso é querer jogar areia nos olhos de quem deve participar desse debate de forma consciente e bem informada. Não preciso reafirmar aqui que essa ênfase exagerada no caráter externo dos nossos problemas constitui o mais sério impedimento a seu encaminhamento de modo satisfatório.)
2.2)-Com relação a política antiinflacionária, defende-se que se evite utilizar a taxa de juros para controlar a inflação. A elevação da taxa de juros básica (a taxa Selic) somente é capaz de reduzir a inflação se causar redução dos gastos de consumo e investimento, gerando desemprego, reduzindo a demanda e inibindo, em conseqüência, o empresariado a reajustar seus preços - já que o contexto torna-se bastante desfavorável. Utilizar a taxa de juros para combater a inflação é o mesmo que gerar desemprego para combater a inflação, o que não é aceitável dentro de um novo modelo econômico que visa o crescimento sustentável com equidade social. Assim, propõe-se elaborar um conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços. Por exemplo, proibir a indexação de quaisquer preços da economia, entre esses, tarifas de serviços públicos, aluguéis, salários etc. Organizar câmaras setoriais para sincronizar aumentos salariais e/ou margens de lucro com aumentos de produtividade.
(PRA: Os autores pretendem retirar a cobra da cesta tocando flauta. Propõem que não se use a taxa de juros para combater a inflação, mas não têm nada a propor em troca, a não ser a proibição da indexação de preços e a negociação entre setores interessados, justamente, na alta de seus “preços” relativos, que são os salários e os lucros. Poucos preços são indexados hoje na economia brasileira, e esses que o são deveriam, de fato, sofrer um processo de desindexação, com base numa maior abertura da economia à concorrência, pois eles estão estão, justamente, em setores relativamente oligopolizados ou cartelizados, que mereceram tal “proteção” no passado, em virtude dos processos de privatização e desestatização, para criar as condições de atratividade aos investimentos, o que hoje não se justifica mais.
Esse “conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços” que eles pregam não têm nenhum sentido, a não ser que pretendam a volta aos controles de preços ou, justamente, essas “câmaras setoriais”, que nunca resolveram nada, a não ser estabelecer um “pacto perverso” pelo qual os atores em pauta transferem para o resto da sociedade sua avidez por salários e lucros maiores. Já vimos esse filme no passado, ele não resolveu nada e não pode resolver, a não ser manter o ímpeto inflacionário.
O alegado objetivo do “crescimento sustentável com equidade social” não quer dizer absolutamente nada, pois ninguém seria a favor do não crescimento com aumento das desigualdades. É o que se chama de proposta inócua, pois apenas essa afirmação não constitui um novo “modelo econômico”. Modelos, em princípio, não existem, mas se os autores pretendem propor algum precisariam sair do nível de generalidade em que se situam. A renúncia à alavanca dos juros, por exemplo, pode ser uma proposta concreta, mas se eles não dizem o que vão colocar no seu lugar, isso tem tanta consistência quanto um pudim de clara de ovos. Os “instrumentos”que eles propõem são risíveis ou ineficientes como “controle de preços”: já provaram no passado não funcionar e continuarão não funcionando no presente e no futuro.)
Ademais, seria necessário substituir importações, estabelecer um novo regime cambial e controlar o movimento internacional de capitais financeiros para reduzir a "importação de inflação", que contamina a economia doméstica seja pelo aumento do preço do dólar, seja pelo aumento do preço em dólar de produtos adquiridos no exterior.
(PRA: os autores nos garantem aqui um conjunto de medidas que seriam inflacionárias e “produtoras” de fuga de capitais, sem assumir nenhuma responsabilidade pelos efeitos deletérios que essas medidas teriam sobre o conjunto da economia. Há praticamente dois anos o país convive com a baixa do preço do dólar, o que também para eles deve ser deletério, pois pretendem um “câmbio administrado”. Faltou dizer em benefício de quem, pois qualquer “preço cambial” produz “ricos” e “pobres” numa ou noutra ponta da equação, que o que se presume que resultaria da sua política de administração cambial seria uma transferência de renda do conjunto da sociedade para os exportadores brasileiros, que assim se veriam desobrigados de investir em ganhos de produtividade e melhorias na sua competitividade internacional. Trata-se de um Robin Hood às avessas, pois a erosão cambial torna a todos mais pobres, e apenas alguns mais ricos.
“Substituir importações” é apenas um novo nome para protecionismo tarifário, “defesa” cambial e outros mecanismos defensivos em política comercial. Trata-se de um “tiro no pé”, da mesma forma como o controle de capitais, que só consegue impedir o ingresso de investimentos, mas não a saída de capitais – nacionais – da economia.)
2.3)-No que se refere ao regime cambial, propõe-se substituir o regime atual de flutuação cambial pura e livre por um regime de minidesvalorizações programadas da taxa de câmbio (ou seja, crawling-peg ativo com regras implícitas e flexíveis). A livre e plena flutuação da taxa de câmbio, num contexto de grande mobilidade de capitais, gera uma grande volatilidade da taxa de câmbio, a qual, por um lado, dificulta a gestão da política macroeconômica e, por outro, aumenta a incerteza entre os tomadores de decisão a respeito de valores futuros, tais como, custo de produção/comercialização e receitas de exportação. Essa incerteza adicional desestimula o investimento, reduzindo o crescimento econômico.
(PRA: O que os autores propõem é um mecanismo automático e regular (isto é, recorrente) de realimentação da inflação, ademais de um “prêmio” aos ineficientes que não gostam de competir com ofertantes externos. Quem não gosta de volatilidade na taxa de câmbio prefere, certamente, a promessa de uma pressão permanente sobre os preços, o que faz com que todos os agentes tenham certeza de que podem corrigir os seus preços num determinado patamar, o que, pela “lei” das antecipações, se traduz por uma correção preventiva maior do que a estabelecida no mecanismo oficial de crawling-peg. Os autores devem adorar exportadores ineficientes e gostam de infligir sofrimento ao conjunto da população.)
Neste contexto, é necessário a adoção, por parte do Banco Central do Brasil, de um regime cambial que: (i) permita a manutenção da taxa real de câmbio num patamar consistente com a obtenção de grandes superávites na balança comercial, (ii) auxilie na redução da volatilidade da taxa de câmbio e (iii) auxilie na manutenção da estabilidade do nível de preços. Esse regime necessariamente deve ser apoiado por medidas de controles sobre o fluxo internacional de capitais e pela formação de um montante considerável de reservas por parte do Banco Central.
(PRA: Pretender fixar a “taxa real de câmbio” é como ter uma bola de cristal, o que não parece estar ao alcance desses autores, nem do próprio Banco Central. Em lugar de grandes superávites na balança comercial, o que qualquer país deve pretender são grandes fluxos em ambos os sentidos das transações correntes, pois isso assegura um nível adequado de irrigação da economia em divisas, o que diminui, ipso facto, o grau de volatilidade no setor externo. Esse fluxo ampliado também contribui para gerar maior estabilidade nos preços internos, pois a concorrência na oferta é a melhor garantia de que os ofertantes internos não possam impunemente aumentar os seus preços.)
2.4)-No contexto de uma nova arquitetura de política econômica, em que se introduzem
controles de capitais e uma política antiinflacionária não-monetária, e considerando o nível corrente relativamente alto da capacidade ociosa da industria brasileira, sustenta-se que é possível fazer uma redução firme e gradual na taxa básica de juros (taxa Selic) para um patamar real de 6% (ou um pouco menos) ao ano - patamar necessário e compatível com um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. A taxa de juros é muito alta no Brasil porque o governo atribui a mesma múltiplas funções: combate a inflação, equilíbrio do balanço de pagamentos e rolagem da dívida pública.
(PRA: Diagnóstico exemplarmente equivocado. A taxa de juros é alta no Brasil porque acumulamos muitos passivos não cobertos pelos orçamentos correntes, o que é na essência um problema fiscal. O problema dos autores é que eles não reconhecem a existência de um problema fiscal no brasil. Ainda que se admita que os juros no Brasil são abusardamente altos, e que o BC exagera na dose, não há como resolver o problema dos juros no Brasil sem corrigir as distorções fiscais, sem abrir o sistema de crédito a mais concorrência e sem diminuir a pressão “extrativa” do Estado brasileiro sobre o conjunto da economia.)
2.5)-Defende-se uma estratégia de sustentabilidade da dívida pública e de política fiscal ativa gerando-se – inicialmente - um superávit primário de 3,0% do PIB. A estabilização da dívida pública como proporção do PIB não depende apenas do superávit primário, mas na realidade da combinação entre superávit primário/crescimento do produto/taxa real de juros.
(PRA: Os comentários anteriores permanecem válidos aqui também. Um superávit primário de apenas 3% será suficiente quando a dívida pública no Brasil tiver caído para menos de 30% do PIB. O crescimento é importante, mas o problema brasileiro é justamente o de ter crescimento insuficiente, e isso tem outros fatores que não apenas os juros.)
Sendo assim, a dívida pública como proporção do PIB poderia ser reduzida caso se adotasse um outro modelo econômico, comprometido com o crescimento e defendido dos humores dos investidores financeiros, que adotasse uma taxa real de juros mais baixa e um menor superávit primário, portanto, um crescimento mais acelerado do PIB.
(PRA: Pretender isso é magia econômica, sem dar os meios.)
Nossas estimativas indicam que um superávit primário de 3,0% do PIB, em conjunto com uma taxa real de juros de 6% e um crescimento econômico de 5,0% ao ano, seria suficiente para reduzir a dívida para menos de 50% do PIB até 2011 e para possibilitar a implementação de políticas fiscais ativas com a realização de obras de infra-estrutura e programas sociais abrangentes.
(PRA: Correto, mas o problema é que já estamos com 51% do PIB na dívida e o esforço fiscal tem de ser bem maior. O crescimento nesse nível não virá e a taxa de juros não será reduzida apenas politicamente.)
Contudo, deve-se reconhecer que a meta 3% do PIB para o superávit primário que foi sugerida para um período tão longo é bastante cautelosa, já que o superávit primário deve ser determinado por um conjunto de fatores que se alteram ao longo dos anos: capacidade ociosa existente, taxa de desemprego etc. Em outras palavras, esta meta poderia ser revista caso as condições fossem extremamente favoráveis, como um crescimento continuado do PIB superior a 5% ao ano ou, alternativamente, caso as condições fossem desfavoráveis, isto é, diante de uma taxa de desemprego muito elevada.
(PRA: O problema é que as condições são extremamente desfavoráveis...)
2.6)-A introdução de controles na entrada e saída de capitais é uma medida fundamental para viabilizar um novo modelo econômico. Os objetivos fundamentais da proposta de política de controles de capitais para o Brasil são: (i) permitir maior autonomia da política monetária, fiscal e cambial; (ii) garantir o equilíbrio do saldo em transações correntes do balanço de pagamentos, ao impedir que a entrada de grandes fluxos de capital no país gere uma forte apreciação da taxa real de câmbio; (iii) reduzir a volatilidade da taxa de câmbio. A mudança do regime cambial e a redução da taxa de juros para patamares compatíveis com o crescimento a um ritmo de 5,0% ao ano requer a redução do grau de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos brasileiro. Isso pode ser obtido com medidas como a introdução de depósitos compulsórios não remunerados por um período de 1 ano sobre os capitais externos que entram no país e pelo aumento considerável do IOF sobre todas as aplicações financeiras de não-residentes no Brasil, além de outras medidas complementares, como limitação a exposição dos bancos ao risco cambial e o estabelecimento de limites e regras para a movimentação de recursos da Conta CC5.
(PRA: A política proposta redundaria não apenas em que não teremos mais capitais entrando, como os capitais nacionais procurariam rapidamente a porta de saída. Trata-se de retrocesso inacreditável na política econômica.)
2.7)-A compatibilidade entre uma nova política macroeconômica com políticas setoriais (política industrial e tecnológica, política de investimentos em infra-estrutura, etc.) é vital para viabilizar um crescimento econômico sustentável, de modo a superar tanto o estrangulamento externo quanto possíveis gargalos no processo de crescimento (ex: energia elétrica). Para tanto, deve-se construir a confiança no desempenho futuro da economia através de políticas macroeconômicas e industriais apropriadas. A responsabilidade pela criação de um ambiente seguro e positivo ao crescimento econômico depende do Estado que deve desenvolver instrumentos e mecanismos de coordenação entre os agentes econômicos em torno de um projeto comum de desenvolvimento.
(PRA: Nada contra “políticas adequadas”, mas no Brasil “políticas setoriais” sempre são favorecimento a setores específicos, ou transferência de dinheiro para quem já é rico, como os industriais da FIESP e outros espertos que “provam” que o seu setor é “estratégico” para a economia nacional. Estratégico para mim é educação de qualidade, todo o resto pode ser provisto pelo mercado.)
2.8)-Neste contexto, deve-se estimular e criar condições para a retomada do investimento produtivo de forma sustentada. A retomada do investimento deve visar a redução da dependência de capitais externos e o aumento da produtividade, do salário real e do nível de emprego. Por exemplo, a política industrial deve ser discricionária, tendo como norteador a necessidade do país gerar superávites comerciais para diminuir a nossa vulnerabilidade externa. A política de emprego deve simultaneamente promover o aumento dos postos de trabalho, via aumento do investimento e do gasto público, e reduzir o grau de informalidade, através de políticas de apoio às pequenas e médias empresas, incluindo a agricultura familiar.
(PRA: Parece que os autores nunca ouviram falar de constrangimento fiscal. O Estado não tem dinheiro nem para os gastos correntes, quanto mais para aumentar investimentos públicos em setores geradores de emprego. Reduzir “dependência” de capitais externos é outra obsessão desses economistas, quando apenas países com contas desequilibradas apresentam essa dependência.)
O livro "Agenda Brasil" contém ainda propostas em outros campos cruciais para a construção de um novo modelo econômico, tais como, a necessidade de instituição de mecanismos privados de financiamento de longo prazo na economia, o reordenamento dos instrumentos de financiamento para o desenvolvimento regional e a implantação de instrumentos que visam a melhora da distribuição da renda no País.
(PRA: Pela primeira vez se fala em mecanismos privados de financiamento, o que é de certo modo surpreendente, quando ele deveria estar na base do processo de crescimento. “Construção de um novo modelo econômico” é uma frase de efeito, que não quer dizer absolutamente nada, ou tudo, depende de como se olha o processo. Os autores, por exemplo, acreditam em mais intervencionismo estatal, em controles de capitais, em papel primordial do Estado como investidor primário e coisas do gênero. Acho que eles vão continuar ensinando nos bancos universitários, pois parecem pouco preparados para administrar o país real.)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de dezembro de 2005.
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