Book Reviews

25 julho, 2006

78) O mundo pode ser plano, mas tem muitas arestas, vastos precipicios e alguns picos...

A fragilidade do mundo plano - por Joseph S. Nye*

O mundo é plano! Afirma Thomas Friedman, colunista do The New York Times, que escolheu o título provocante do seu último livro para despertar nas pessoas os efeitos dramáticos que a tecnologia está acarretando à economia mundial. A distância está diminuindo. As barreiras geográficas não mais oferecem uma proteção segura. Os funcionários de fabricação e os profissionais de alta tecnologia, igualmente na Europa e nos Estados Unidos, são desafiados pela competição global. Os consumidores ocidentais que acionam uma empresa local provavelmente falarão com alguém na Índia.

Os céticos atentaram para os limites da metáfora de Friedman. Concordaram que o mundo não é plano, mas "espinhudo". Um mapa da atividade econômica no mundo mostraria montanhas de prosperidade e muitos desfiladeiros da privação. Além disso, a distância está longe de acabar. Mesmo vizinhos com barreiras tarifárias baixas, como Canadá e Estados Unidos, comercializam mais internamente do que por meio das fronteiras. Seattle e Vancouver são fechados geograficamente, mas Vancouver vende e compra mais de Toronto (mais distante) do que de Seattle, que está ao lado.

Apesar da crítica, Friedman mostra um ponto importante. A globalização, que pode ser definida como interdependência em distâncias intercontinentais, é tão velha quanto a história humana. Testemunhe a migração de povos e religiões, ou o comércio ao longo da antiga rota da seda, que uniu a Europa Medieval e a Ásia. Mas, a globalização hoje é diferente, porque está ficando mais rápida e difícil.

Depois do primeiro cabo transatlântico, em 1868, Europa e Estados Unidos puderam se comunicar em segundos. Em 1919, o economista John Maynard Keynes descreveu a possibilidade de um inglês, em Londres, usar um telefone para ordenar que mercadorias ao redor do mundo fossem entregues na sua casa à tarde. Mas o Inglês de Keynes era rico e, assim, uma exceção. Hoje, centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo têm acesso à mercadorias globais nos seus supermercados locais.

Da mesma maneira, tão recentemente como há duas décadas, a comunicação global instantânea já existia, mas economicamente estava fora do alcance da maior parte das pessoas. Agora, praticamente todo mundo pode entrar em uma Lan House e apreciar a Internet, que era disponível somente aos governos, corporações multinacionais e alguns indivíduos ou organizações com grandes orçamentos. O declínio dos preços de computação, comunicação, e transporte democratizou a tecnologia.

Há uma década, dois terços de todos os usuários de Internet eram dos Estados Unidos. Hoje, menos de um quarto estão localizados lá. Conhecimento é poder, e hoje mais pessoas têm acesso à informação do que em qualquer momento na história humana. Atores não governamentais têm capacidades que uma vez eram limitadas a governos. O estado-nação não será substituído como instituição dominante da política mundial, mas terá de compartilhar a nova etapa com mais atores, inclusive organizações como Oxfam, celebridades como Bono, e redes terroristas transnacionais como Al Qaeda.

Mas o achatamento do globo é reversível. Já aconteceu antes. A economia mundial era altamente integrada em 1914, mas a interdependência econômica diminuiu durante as três próximas décadas. A economia global não recuperou o mesmo nível da integração até 1970, e até então permaneceu dividida pela Cortina de Ferro.

A Primeira Guerra Mundial foi o gatilho para o início da reversão, com o declínio da globalização econômica e a expansão da globalização militar, testemunhada por duas guerras mundiais e uma guerra fria global. Isto refletiu problemas mais profundos da desigualdade criada pelo progresso econômico do século XIX. A política não acompanhou o crescimento econômico, e o resultado foi a ascensão de ideologias patológicas – fascismo e comunismo – que dividiu as nações e o mundo. O desenvolvimento do estado de bem-estar social (welfare state) em países ocidentais, depois da Segunda Guerra Mundial, ajudou a criar uma rede de segurança para as pessoas desamparadas pelas mudanças econômicas, e assim estimulou-as a aceitar o retorno da interdependência econômica internacional.

Alguns analistas vêem a China desempenhar um papel, atualmente, semelhante ao que a Alemanha ocupou antes do século XX – um poder crescente, atacado por desigualdades internas, fez nascer um nacionalismo que desafiou o poder dominante, provocando uma guerra que atrasou o progresso da globalização econômica. As economias americanas e chinesas são altamente interdependentes hoje, como também foram Alemanha e Inglaterra antes de 1914.

Mas a analogia não é perfeita. A Alemanha tinha sobrepujado a Inglaterra na produção industrial, antes de 1900. Mesmo com as altas taxas de crescimento, a economia chinesa não se igualará a dos EUA por pelo menos mais duas décadas.

A maior ameaça para o mundo plano, provavelmente, virá das forças não governamentais e transnacionais que surgiram por meio da difusão tecnológica. No dia 11 de Setembro de 2001, uma rede não governamental matou mais americanos em um ataque surpresa do que o governo japonês fez em Pearl Harbor, em 1941. Chamo isto de privatização da guerra. Se tais atores obtiverem materiais nucleares e biológicos, o mundo ficará muito diferente. As fronteiras serão mais difíceis para atravessar, tanto para pessoas como mercadorias. E se tais atores interromperem o fluxo de petróleo do Golfo Pérsico, que possui dois terços das reservas globais, uma depressão mundial, assim como nos anos de 1930, pode fortalecer o protecionismo mais ainda.

A globalização tem duas forças motrizes: tecnologia e política. Até aqui, a política reforçou os efeitos de planificação da tecnologia. Na posição de maior economia do mundo, os EUA tomaram a dianteira na promoção de políticas para redução de barreiras. Mas os eventos descritos acima podem inverter tal cenário.

Alguns críticos da globalização poderiam dar as boas-vindas para tal visão. Mas o resultado, como vivenciamos depois de 1914, seria o pior dos mundos – reversão da globalização econômica que reprime a tecnologia e o poder, mas reforça as dimensões negativas da globalização ecológica-militar, como guerra, terror, alterações climáticas, e multiplicação de doenças contagiosas. Neste caso, o mundo plano pode ficar um deserto.

*Joseph Nye é professor da Escola de Governo de Harvard. Seu último livro é "The Power Game: A Washington Novel".

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-18/7/2006