Book Reviews

13 abril, 2006

34) "Estou sem tempo para ler..." (como ele consegue?)

Crônica:

Inveja
L. F. Verissimo

Sou um invejoso, confesso. Invejo quem pode comer doce, quem consegue dormir em avião, quem fala bonito, quem tem neto, quem sabe programar o 'timer'. Invejo os que têm certeza, os que têm fé e os que têm cabelo.
Mas há um tipo que eu invejo acima de qualquer outro. Um que me desperta admiração e ódio - que são os componentes da inveja - numa escala quase insuportável. É o que diz, geralmente depois de um suspiro revoltante: 'Estou sem nada para ler...' Entende? Não é a queixa de uma privação passageira. Ele não se distraiu e deixou de se suprir de leituras, como se tivesse esquecido de comprar sabão no super. Está implícita na sua lamúria uma crítica à indústria editorial e à classe intelectual, que simplesmente não produziram nada que merecesse sua atenção. Elas são as responsáveis pelo seu tempo ocioso e a sua mesa de cabeceira vazia. Enquanto eu sofro da angústia oposta, a da falta de tempo e das pilhas de livros na mesa de cabeceira - e nas estantes e em qualquer superfície plana da casa. Minha queixa é outra: coisas demais para ler até a minha morte, marcada para 2076, se é que eu acertei o 'timer', sem falar no que ainda pretendo comprar. 'Que inveja' é o único comentário cabível diante da frase do insensível.
Muitas vezes a frase é apenas preâmbulo para um pedido de sugestão de leitura. Para: 'Tens lido algo que preste?' A pergunta pressupõe que você tem os mesmos gostos que ele e lhe dá a oportunidade de brincar de leitor casual também, sem stress. - Já leu o Da Vinci? - Já tentei. Mas daquele tamanho... - E o do Fernando Henrique? - Acho que vou esperar o filme.
Ele tem razão. Não há mesmo nada para ler.
Mas a inveja de quem não tem a angústia dos livros esperando leitura seria mais honesta, no meu caso, se a falta de tempo não fosse culpa minha. Na verdade, tenho inveja de mim mesmo quando lia por prazer e curiosidade e não perdia tanto tempo com jornais, revistas e televisão, que nos aproximam tanto do mundo que roubam nossa perspectiva, e portanto nos informam e deformam ao mesmo tempo. Enquanto as pilhas não param de aumentar.

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