29) A educação é cara?; experimente a ignorância...
Resenha de
Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.).
A frase é do presidente de Harvard, respondendo a acusações quanto ao custo da universidade. Ninguém que já esteja no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete reclamações contínuas e custos crescentes no terceiro ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, mas eles também exibem qualidade aceitável nos dois ciclos anteriores, o que não parece ser o caso do Brasil.
Quanto o autor deste livro propôs, em 1997, a cobrança de mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram inusitadamente fortes, comprovando que ele tocara em um ponto caro (e como) às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora querem usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é um problema para o Brasil, ou pelo menos este não é O problema, ainda que nossos indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos países em desenvolvimento e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão, no entanto, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos.
Para situar os problemas da educação no Brasil, o autor não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar” (p. 132). Na primeira parte ele traçou um quadro abrangente sobre o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer um diagnóstico muito preciso desses problemas no Brasil. A situação é estarrecedora: não só temos poucos jovens nas escolas, mas os testes aplicados, tanto internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados só pífios e caminhando para pior.
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil, um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é “aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil, não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE (4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.). Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem metas: os MEC as tem demais. A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos tenham ensino médio. Para isso é preciso alfabetizar todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é mais gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do FUNDEF, cobrindo o ensino médio (FUNDEB), a premiação da melhoria do desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com transferência desses recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional deve premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p. 223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o ensino básico.
As universidades públicas teriam permissão para cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, e segundo os cursos mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida, dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas. Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros países. Este livro é uma boa introdução a esse debate.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p.
Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.).
A frase é do presidente de Harvard, respondendo a acusações quanto ao custo da universidade. Ninguém que já esteja no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete reclamações contínuas e custos crescentes no terceiro ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, mas eles também exibem qualidade aceitável nos dois ciclos anteriores, o que não parece ser o caso do Brasil.
Quanto o autor deste livro propôs, em 1997, a cobrança de mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram inusitadamente fortes, comprovando que ele tocara em um ponto caro (e como) às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora querem usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é um problema para o Brasil, ou pelo menos este não é O problema, ainda que nossos indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos países em desenvolvimento e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão, no entanto, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos.
Para situar os problemas da educação no Brasil, o autor não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar” (p. 132). Na primeira parte ele traçou um quadro abrangente sobre o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer um diagnóstico muito preciso desses problemas no Brasil. A situação é estarrecedora: não só temos poucos jovens nas escolas, mas os testes aplicados, tanto internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados só pífios e caminhando para pior.
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil, um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é “aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil, não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE (4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.). Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem metas: os MEC as tem demais. A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos tenham ensino médio. Para isso é preciso alfabetizar todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é mais gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do FUNDEF, cobrindo o ensino médio (FUNDEB), a premiação da melhoria do desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com transferência desses recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional deve premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p. 223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o ensino básico.
As universidades públicas teriam permissão para cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, e segundo os cursos mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida, dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas. Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros países. Este livro é uma boa introdução a esse debate.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p.
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