Book Reviews

25 fevereiro, 2006

11) Nos bastidores do Plano Real (e além...)


LIVRO: 3.000 Dias no Bunker
AUTOR: Guilherme Fiúza
EDITORA: Record
PREÇO E PÁGINAS: R$ 48,90/331

Um projeto para vinte anos
Revista Época, 25 Fev 2006

Jornalista mostra a cúpula econômica do governo que conseguiu sobreviver intacta ao final dos dois governos de FHC e estabilizou a moeda brasileira

POR GRAZIELA SALOMÃO

Trecho do livro 3.000 dias no Bunker, de Guilherme Fiúza:
"Inflação galopante, arrocho dos salários e o país recém-saído do impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto popular depois de anos de ditadura. Esse foi o cenário em que Itamar Franco assumiu a presidência do país, prestes a ser devorado pela economia caótica. Uma coisa era certa: ou o governo tomava atitudes para segurar as rédeas da economia ou não conseguiria completar o um ano e meio que ainda restava de mandato.
Para Itamar Franco, a solução era encontrar uma equipe econômica que conseguisse criar um plano B antiinflação. Apostou que a saída estaria na equipe regimentada pelo sociólogo (nomeado então ministro da Fazenda) Fernando Henrique Cardoso, formada pelas principais cabeças do Departamento de Economia da PUC. Mais do que uma medida antiinflação, viria um novo plano econômico que surpreenderia até mesmo o Fundo Monetário Internacional e o governo dos Estados Unidos."


É nesse contexto que o jornalista Guilherme Fiúza mergulhou em uma pesquisa complexa de cinco meses para invadir o universo de cada personagem da economia brasileira da década de 90 e desvendar o que houve nos bastidores da equipe econômica que conquistou o comando da economia do país. Em seu novo livro, 3.000 dias no Bunker, Fiúza traça a trajetória de figuras como Gustavo Franco e Pedro Malan para arregimentar dados e estruturas que impelissem aquele 'projeto para 20 anos' - como classificou Fernando Henrique - na realidade brasileira.

Em entrevista a ÉPOCA Online, Fiúza explica a idéia do livro e comenta sobre a atual situação da política econômica brasileira sob os cuidados de Antônio Palocci.

ÉPOCA - Como surgiu a idéia de escrever o livro?
Guilherme Fiúza - Ao final do governo Fernando Henrique, achei que havia uma pergunta não respondida: o que explicava uma permanência tão longa de uma equipe econômica no poder? Pedro Malan ficou oito anos seguidos no Ministério da Fazenda, mais quase um ano e meio na presidência do Banco Central. É um recorde, em tempos democráticos. Ao mesmo tempo, sabia-se que ele e seu time enfrentaram bombardeios de todos os lados, frituras, rasteiras, e incrivelmente não caíram. Esta era a pauta do livro: explicar que blindagem foi essa, e também tentar fazer uma espécie de diário desse bunker, inclusive do ponto de vista de quem estava lá dentro.

ÉPOCA - Alguma surpresa ao intensificar e aprofundar suas investigações?
Fiúza - Sim, houve várias surpresas. A mais curiosa delas talvez tenha sido descobrir que no início de 1994, quando o Brasil inteiro tinha os olhos na preparação do Plano Real e na criação da URV, a equipe do então ministro Fernando Henrique conduzia uma operação secreta no mercado internacional, escondida do FMI e do governo dos Estados Unidos. Era o momento crucial da renegociação da dívida externa dos países emergentes (Plano Brady), e o Brasil, por iniciativa de Malan e Gustavo Franco, resolveu tentar comprar suas garantias sozinho, sem o financiamento do FMI, para não ter que mudar seu plano econômico, que o Fundo não aprovava. Foi uma operação de alto risco político, em que operadores de Wall Street foram 'importados' para negociar em nome do Brasil de dentro do Banco Central, e Washington só soube da manobra quando ela estava praticamente concluída. O mercado acabou se impressionando com o poder de iniciativa da nova equipe brasileira, e se iniciou ali uma nova percepção a respeito do Brasil no exterior.

ÉPOCA - Na orelha do livro, Marcos Sá Corrêa afirma que tudo o que é relatado no texto é 'uma crônica da inteligência a serviço da ambição política'. Você concorda com isso? Aquele grupo seleto que chegou ao poder em 1993 é, realmente, a máquina que faria os anos 90 andarem nos trilhos e chegarmos ao século XXI com uma economia na qual é possível se ter o dólar caindo diariamente?
Fiúza - A referência à inteligência é pertinente. Acho que esse grupo teve grandes acertos e erros claros. Mas o que não se viu nesse período foi mediocridade e falta de idéias. Fernando Henrique ficou contrariado no início porque os economistas que reuniu não quiseram lhe dar um pacote contra a inflação. Acabou recebendo deles um plano muito mais ambicioso, já com a semente da responsabilidade fiscal, e celebrou dizendo que ali tinham 'idéias para 20 anos de trabalho'. A situação estável da economia hoje em dia, incluindo a queda do dólar, é efeito de várias medidas ao longo do tempo, inclusive anteriores e posteriores ao governo FHC. Mas de fato a equipe do 'bunker' construiu um trilho de organização econômica e monetária, com um razoável disciplinamento das contas públicas (que encontraram no caos), e isto foi determinante para a estabilidade que se seguiu.

ÉPOCA - Hoje, podemos dizer que o Brasil é um país que tem uma estabilidade econômica? O cenário das superinflações pode ser novamente um 'bicho-papão' a assombrar o país?
Fiúza - O Brasil vive uma estabilidade monetária. Não sei se uma economia que ainda precisa devorar quase metade do que produz em impostos pode ser chamada de estável. No atual cenário internacional, com relativa abundância de capitais em circulação, é difícil que qualquer moeda mergulhe com força na desvalorização, portanto não é provável agora a volta da superinflação. Mas espera-se que o Brasil já tenha aprendido que o processo inflacionário é exatamente como trair e coçar: é só começar.

ÉPOCA - Você acredita que aquele grupo formado por Malan e Cia. deve servir (ou serve) como modelo para os subseqüentes ministérios da Fazenda?
Fiúza - O que aconteceu de fato, e que o livro revela, é que Malan e Cia. não foram exatamente um modelo para a equipe de Lula: o que houve foi um pacto. Toda a blindagem internacional e técnica da área econômica foi transferida para o novo governo, numa articulação talvez mais coesa do que os próprios grupos políticos que a celebraram. A mensagem essencial desse episódio é a do fortalecimento institucional, acima da conveniência política.

ÉPOCA - Você pretende fazer uma continuação e apurar o período de Antonio Palocci no comando do Ministério da Fazenda?
Fiúza - Não vejo o período de Palocci jornalisticamente tão fértil, porque não foi tão tumultuado, tão aventureiro e de lances tão arriscados. Mas espero que também mereça reportagens aprofundadas, porque o poder é muito denso e enigmático, e precisamos continuar tentando decifrá-lo a cada dia para compreender melhor a vida nacional.

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