Book Reviews

18 fevereiro, 2006

08) O Império em Woodstock...

Desastrosa ausência

A recusa em buscar fontes fidedignas e uma propensão a satanizar o poderio americano comprometem o livro de Moniz Bandeira

Formação do império americano – Da guerra contra a Espanha à guerra do Iraque
de Luiz Alberto Moniz Bandeira

por Carlos Eduardo Lins da Silva

Revista História Viva, n° 28 – Fevereiro/2006. pp. 90-91


No documentário “Woodstock”, sobre o famoso festival de música realizado em 1969 e que se transformou em marco da oposição do envolvimento dos EUA no Sudeste da Ásia, há uma cena que simboliza bem o grau de desconfiança existente entre alguns americanos quanto ao seu governo na época. Um formidável temporal se armava na região do Estado de No va York onde o evento aconteceu. Ele poderia provocar grandes estragos às torres de iluminação, palco e outras instalações. Alguns organizadores pediram à multidão (estimada em quase 500 mil pessoas) que entoasse cânticos para que a chuva não viesse.
O apelo ao sobrenatural não funcionou e choveu muito. Felizmente, não a ponto de provocar danos ou vítimas. Mas o suficiente para aborrecer milhares de pessoas, embora a maioria tivesse aproveitado o estrago para se divertir na lama. Um dos jovens que ficaram desgostosos acusou diante das câmeras dos documentaristas: “Foram os porcos fascistas do governo que semearam as nuvens para choves; eu vi os aviões”.
Ao final da leitura das exatas 800 pá ginas de “Formação do império americano – Da guerra contra a Espanha à guerra do Iraque”, de Luiz Alberto Moniz Bandeira, chega a ser surpreendente que o depoimento desse rapaz em 1969 não esteja entre as fontes citadas pelo autor para comprovar suas teorias a respeito da malevolência do sistema financeiro-militar-empresarial que controla, a seu ver, os EUA.
Porque uma das características metodológicas da obra que mais chamam a atenção é o fato de que aparentemente qualquer discurso de qualquer pessoa que corrobore a tese de que os EUA historicamente agem com prepotência, arrogância, unilateralismo, desprezo pela soberania alheia e apenas para fazer prosperar os beneficiários de tal sistema pode ser usado por Moniz Bandeira como legítimo.
Por exemplo: de acordo com Moniz Bandeira, os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial exclusivamente por razões de ordem econômica para abrir mercados para os excedentes de produção de diversos bens de consumo americanos e para minimizar a concorrência que lhes era oferecida pela Alemanha na busca desses mercados.
Para comprovar sua hipótese, Moniz Bandeira usa três documentos: um discurso de George Norris, que representou o Estado de Nebraska no Senado americano entre 1912 e 1943 (sempre com uma posição liberal), um artigo de Leon Trotsky, o revolucionário comunista russo, e um discurso de 1923 de Adolf Hitler, o líder nazista que governou a Alemanha de 1933 a 1945.
Pode parecer espantoso, mas essas são as três referências em que Moniz Bandeira se escuda para demonstrar uma de suas asserções principais no livro. Assim como a principal peça que utiliza para demonstrar a suposição de que o assassinato de John Kennedy foi produto de complô porque o 35º presidente americano teria decidido se rebelar contra o sistema e aproximar-se da Cuba de Fidel Castro é o depoimento de Sam Giancana, o líder da Máfia.
Moniz Bandeira poderia ter se valido de diversos livros escritos por Jim Garrison, o promotor público de Nova Orleans que dedicou boa parte da vida para tentar provar que Kennedy não fora morto apenas por Lee Oswald. Ou também poderia ter consultado as centenas de testemunhos colhidos pela Comissão Warren, que investigou a morte de Kennedy, e que discordavam da conclu são de que Oswal agira sozinho.
A escolha por citações de pessoas como Norris, Trotsky, Hitler e Giancana, que se baseiam apenas em retórica, e não por documentos ou autores que trabalham com rigor científico, é muito expressiva em relação aos objetivos do livro. Apesar da caudalosa lista de referências, ele não passa de um panfleto antiamericano sem nenhum valor historiográfico.
O sentimento de ódio aus EUA é tão forte que, por vezes, Moniz Bandeira passa a impressão de que até o regime nazista na Alemanha era política e moralmente superior ao americano. Ele acusa o presidente Franklin Roosevelt de seguidas “provocações” à Alemanha e ao Japão, nos anos de 1939 a 1941 que constituíram, a s eu juízo, “sucessivas violações da neutralidade” (americana) e não esconde sua simpatia pela Alemanha, que “complacentemente não aceitava as provocações e evitava romper as relações diplomáticas com os Estados Unidos”.
Moniz Bandeira diz que Roosevelt, “assim como Hitler, conduziu a guerra com implacável ferocidade e crueldade”. E – sem contestar – volta a citar Hitler, que dizia ter sido “um trágico encadeamento, um infeliz acaso histórico”, o fato de sua ascensão ao poder na Alemanha ter ocorrido quando “o candidato do mundo judaico”, Roosevelt, assumiu o governo da Casa Branca.
Da mesma forma como equipara Roosevelt a Hitler, Moniz Bandeira, ao tratar do período da Guerra Fria, afir ma que EUA e URSS eram muito parecidos: “os Estados Unidos (...) começaram a afigurar-se como um Estado virtualmente totalitário, muito similar à União Soviética. E (...) os Estados Unidos se comportaram do mesmo modo que a União Soviética”.
Embora reconheça, no início da sua introdução, que “os Estados Unidos configuram uma sociedade extraordinariamente complexa, dinâmica e rica em contradições internas”, esse é o único momento de todo o livro em que Moniz Bandeira admite a possibilidade de Washington não se comportar rigorosamente de acordo com os interesses da indústria bélica, do capital financeiro e das grandes corporações.
Em todos os episódios que analisa, nunca identifica a existência de uma sociedade civil capaz de se antepor a esses interesses. Por isso, sua crítica se torna estéril. Nem Watergate, nem a oposição à Guerra do Vietnã, nem a campanha pelos direitos civis, nada é suficiente para demovê-lo da tese central da perversidade inata da nação americana.
De volta a Woodstock, outra cena pode ser lembrada aqui. Como o número de participantes foi muitíssimo superior ao estimado, com a derrubada das cercas que deveriam manter do lado de fora os que não haviam comprado ingressos, a situação de infra-estrutura do grande acampamento logo se tornou caótica.
Faltavam mantimentos, remédios, agasalhos. De repente, surgem no ar helicópteros do Exército e dos Fuzileiros N avais, idênticos aos que se viam diariamente pela TV em ação no Vietnã. A multidão os vaia ao avistá-los. Mas o locutor avisa: eles não vieram para atacá-la, mas para lhes trazer comida, cobertores, medicamentos.
Moniz Bandeira não deve ter ido a Woodstock.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi correspondente do jornal Folha de São Paulo em Washington (1991-1999).

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