Book Reviews

03 setembro, 2009

229) A USP, aos 70 anos

A USP acaba de ser distinguida numa classificação das melhores universidades do mundo.
Abaixo uma resenha que fiz de um livro elaborado por ocasião de seus primeiros 70 anos, bem vividos...

Uma venerável, mas ainda jovem, senhora: a USP aos 70 anos
Paulo Roberto de Almeida

Resenha de:
Shozo Motoyama (org.):
USP 70 anos: Imagens de uma história vivida
(São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, 704 p.; ISBN: 85-314-0953-5; demais autores: Ana Maria Pinho Leite Gordon, Edson Emanuel Simões, Fernando Camelier, Marilda Nagamini, Pedro de Luna e Renato Teixeira Vargas)

A USP é, inquestionavelmente, a única universidade brasileira em condições de figurar em boa posição nas listas das melhores universidades do mundo. Segundo um tipo de classificação (da universidade Shanghai Jiao Tong, da China), ela ocupa o 71º lugar no ranking das universidades das Américas, mas duplica esse número quando inserida em uma lista mundial. Trata-se, sem dúvida, de um ótimo desempenho no plano regional e internacional, ainda que ela figure entre as universidades “médias” americanas. A USP é, em todo caso, responsável por pelo menos um quarto da produção científica brasileira, por mais de um quarto dos doutores formados anualmente e por quase um quinto do volume de mestrandos titulados.
Pode-se, em qualquer hipótese, considerar estes números como um resultado mais do que significativo para uma instituição universitária que recém completou setenta anos, se aproximando, portanto, da idade média do brasileiro. Sua “esperança de vida” era, porém, incerta, quando foi criada em 1934, na vaga de um notável esforço dispendido pelas elites paulistas para compensar o fato da derrota e da intervenção federal como conseqüência da derrota imposta na revolução constitucionalista de 1932. Naquela momento, a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras teve de se fazer com base na importação de cérebros (e braços), à falta de capital humano em volume suficiente para sustentar as atividades de ensino, de pesquisa e de disseminação do conhecimento na sociedade, como estipulavam os dispositivos do decreto que a criou. Como relatam alguns entrevistados, no início ela carecia dos mais simples equipamentos, devendo os alunos e professores trazer de casa, por exemplo, vidros e tubos para suas experiências. Com o surgimento das instituições de fomento e pesquisa, nos níveis federal e estadual, ela pode se firmar e crescer ao que é, hoje, uma instituição exemplar.
Este livro, coordenado por Shozo Motoyama, incansável pesquisador e divulgador da história das ciências e da tecnologia no Brasil, publicado no momento em que essa venerável senhora completa 70 anos, apresenta-se, basicamente, como uma coletânea de entrevistas e depoimentos,, colhidas entre 2004 e 2005. Trata-se da segunda e mais importante parte do volume: ela ocupa cerca de 500 páginas de entrevistas, em meio a dezenas de fotos, constituindo um pesado álbum, cuja “massa atômica” é provavelmente proporcional à contribuição da USP à formação do espírito científico no Brasil. São entrevistados oito ex-reitores (de Miguel Reale, no cargo duas vezes, em 1949-50 e 1969-73, a Adolpho José Melphi, que terminou sua gestão em novembro de 2005), vários vice-reitores e os pró-reitores de graduação, de pós-graduação, de pesquisa e de cultura e extensão nas últimas décadas, num total de 32 personalidades uspianas. O critério seletivo foi o desempenho de cargos depois da reforma dos Estatutos da USP, em 1989, estendendo-se, porém, as entrevistas com os reitores vivos antes desse período.
Das entrevistas e posterior organização do material para o livro participaram seis outros pesquisadores, a maior parte colaboradores veteranos de outros empreendimentos do Centro Interunidade de História da Ciência da USP. Esta parte interessará certamente aos pesquisadores e historiadores que retirarão desses depoimentos um precioso material para reconstituir a trajetória da mais bem sucedida instituição universitária brasileira. Mas, as entrevistas também podem ser lidas como uma história coletiva, com saborosas passagens sobre a vida pessoal de cada um dos professores e pesquisadores, grande parte deles filhos de imigrantes pobres, que tiveram sucesso graças a um extraordinário esforço pessoal e familiar, às oportunidades abertas pelo estado empreendedor que é São Paulo e, certamente, alguma sorte também. Os itinerários pessoais, relatados de viva voz (na maior parte dos casos pela primeira vez), são fascinantes e mereceriam, provavelmente, aprofundamentos em livros de memórias de cada um dos protagonistas. A leitura desses relatos confirma, se ainda preciso fosse, que a maior riqueza de uma nação está em seu próprio povo, que também faz a força de uma instituição de pesquisa e ensino de primeira qualidade como a USP.
A primeira parte trata da história da USP e esta vai muito além dos setenta anos de sua existência oficial, alcançando perto de 180 anos da vida nacional, desde a primeira faculdade de direito criada em São Paulo em 1827. A introdução, assinada por Shozo Motoyama, começa por um sobrevôo do papel da universidade na sociedade moderna, refaz sua difícil trajetória no Brasil, detendo-se, em seguida, sobre a inserção da USP na história econômica, científica e política nacional. A USP foi constituída a partir de escolas e faculdades isoladas, juntamente com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que deveria fazer a junção das entidades existentes: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a Escola Politécnica (do final do século XIX), a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, de Piracicaba. Foram contratados, ainda em 1934, 13 professores estrangeiros e mais quatro brasileiros para a nova FFCL, cuja luta se deu, durante anos, pela sua integração com os institutos isolados, cuja perspectiva era bem mais profissionalizante do que propriamente acadêmica. Segundo um desses mestres estrangeiros, Lévy-Strauss, o papel mais importante deles não foi propriamente o ensino, mas a disciplina: os brasileiros já eram muito bons, mas indisciplinados cientificamente.
Criada em 1934, apenas dez anos depois ela se torna, de fato, um ente autônomo, sob a forma de autarquia, passando a receber do Estado uma dotação orçamentária global, que ela administrava livremente, à exceção dos vencimentos dos professores. Graças ao papel de Miguel Reale no Conselho Administrativo do Estado – órgão de intervenção do Estado Novo –, o Reitor da USP passou a ter status de secretário de Estado, passando a despachar diretamente com o chefe do executivo paulista. Como demonstra Motoyama, a USP foi internacionalizada desde o início, não apenas pela contribuição de professores e pesquisadores estrangeiros, mas também pelo envio precoce de seus melhores alunos para continuarem pesquisas no exterior, numa época em que era inexistentes as instituições de fomento. O regime de tempo integral, criado em 1946 sob iniciativa de José Reis, foi essencial para a integração do ensino e da pesquisa.
A USP acompanhou todas as vissicitudes da história política nacional desde os anos de crescimento otimista, na era Vargas e Kubitschek, passando pelo cerceamento do pensamento contestador, nos anos da ditadura, até o renascimento democrático, em 1985, que trouxe outros problemas de ordem econômica e administrativa. Alguns dos cientistas expulsos durante a fase anterior voltaram e propuseram a criação do Instituto de Estudos Avançados, durante a reitoria de José Goldemberg. Paralelamente surgiu o Centro Interunidade de História da Ciência, que veio a ter importante papel na memória da produção científica e tecnológica brasileira, cujo trabalho está refletido neste mesmo volume de história. A nova constituição, em 1988, determinou a revisão das constituições estaduais e, no mesmo movimento, a elaboração de novos estatutos para a USP, já que o existentes, de 1969, refletiam o autoritarismo vigente na época. Data dessa época, a criação dos cargos de pró-reitores, que se por um lado burocratizaram os procedimentos, por outro descentralizaram as atividades, o que parece ter sido positivo. Mais recentemente, a USP caminhou no sentido de sua maior integração com a comunidade, tendo inaugurado, em 2005, um novo campus na cidade de São Paulo, a USP-Leste. Com expansão das vagas e abertura de novos cursos, inovadores.
O núcleo da primeira parte é constituído por três capítulos, nos quais os autores tratam, sucessivamente, do “longo antecedente” (ou seja, o percurso de 1827 a 1934), da “construção da universidade” (dos anos trinta à repressão sob a ditadura, em 1969) e da “universidade resistente”, isto é, os vinte anos até 1989, quando são aprovados os novos estatutos. A história posterior está relativamente fragmentada e dispersa nos depoimentos recolhidos e deve constituir a base indispensável de uma história institucional a partir de 1989, talvez sob responsabilidade dos mesmos autores que tão bem conduziram a coleta do material primário. Esses três longos capítulos, apoiados em fontes documentais e em sólida bibliografia secundária, constituem um belo racconto storico sobre a emergência e afirmação da USP, no contexto mais amplo da história brasileira e da evolução científica e tecnológica mundial.
História institucional não quer necessariamente dizer desprovida de avaliações: ao lado do relato das ações e iniciativas dos reitores, a história politica e econômica do país é seguida com bastante detalhe. Alguns episódios são particularmente dolorosos na vida da USP, como as cassações de professores ocorridas depois do AI-5, de dezembro de 1968: ao todo, no decorrer de 1969, foram afastados 70 profesores de várias unidades da USP. A trajetória de resistência e de acomodação ao regime autoritária é relatada com minúcias, paralelamente ao relato da gestão de cada um dos reitores, até a administração de José Goldemberg (1986-1990), que preside a uma fase de intensas reformas, com mudanças substanciais no campo institucional, até hoje subsistentes. Sua maior vitória, com as demais universidades paulistas, foi a conquista da autonomia orçamentária, com a destinação vinculada de parte da arrecadação do imposto indireto estadual, o ICMS. Outra iniciativa sua, altamente controversa à época, foi a introdução da avaliação dos professores, objeto de grandes debates, hoje corriqueira e responsável, na verdade, pelo enorme salto alcançado na produção científica e tecnológica da USP.
No conjunto, os ensaios históricos dos sete autores, cobrindo praticamente toda a história educacional brasileira até 1989, bem como os depoimentos tomados das três dezenas de personalidades, sob a coordenação de Shozo Motoyama, e que alcançam os nossos dias, constituem o mais amplo relato que se conhece, no cenário universitário brasileiro, sobre uma instituição exemplar de ensino e pesquisa, verdadeiramente única em sua categoria pela qualidade da produção científica, dentre as melhores do mundo. O livro combina história oral com a reconstituição cuidadosa do processo histórico que explica as razões desse sucesso acadêmico e científico. Ele deveria servir de modelo a diversas outras histórias institucionais das grandes instituições de ensino no Brasil.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 novembro 2006
Revista Parcerias Estratégicas
(Brasília: CGEE, n. 23, 2006, p. ).

02 setembro, 2009

228) Anarquismo também é cultura

Excelentes resumos de livros históricos anarquistas, penosamente traduzidos e publicados no Brasil pela Federação Anarquista.
Não sei bem por que, mas quando vejo esses textos anarquistas, e toda a agitação que o pequenissimo punhado de anarquistas (em qualquer país) conduz em defesa de suas ideias e posiçoes, tenha a impressão de estar em face de um bando de garotos, de calças curtas, jogando pião e brincando de esconde-esconde. Pode ser só uma impressão, claro, mas nao posso evitar de transmiti-la como sendo o reflexo do que penso ser o ativismo dos anarquistas: uma brincadeira de crianças grandes...

A Faísca tem orgulho de anunciar três novos lançamentos, dois deles em
co-edição com a editora Imaginário.

A CIÊNCIA E A QUESTÃO VITAL DA REVOLUÇÃO
Mikhail Bakunin * R$ 18,00 * 96 páginas * Imaginário / Faísca

ANARQUISMO BÚLGARO EM ARMAS
Michael Schmidt * R$ 8,00 * 80 páginas * Faísca

A INTERNACIONAL: DOCUMENTOS E RECORDAÇÕES: VOL. I
James Guillaume * R$ 32,00 * 232 páginas * Imaginário / Faísca

Compre agora, entrando em contato com vendasfaisca@riseup.net!

Abaixo, veja as resenhas e os dados dos livros.

***

A CIÊNCIA E A QUESTÃO VITAL DA REVOLUÇÃO
Mikhail Bakunin * R$ 18,00 * 96 páginas * Imaginário / Faísca

Continuamos a publicação, em co-edição com a editora Imaginário, das
principais obras de Mikhail Bakunin, maior expoente do anarquismo
clássico. No presente ensaio, de 1870, Bakunin dirige-se à juventude russa
na tentativa de colaborar para a organização revolucionária na Rússia
czarista, denunciando os “socialistas retóricos”, segundo sua própria
denominação. O próprio Bakunin explica o contexto em que se insere seu
artigo:

“Após os decembristas, o liberalismo heróico da nobreza instruída
degenerou em liberalismo livresco, em doutrinarismo mais ou menos douto.
Desde logo, sua impotência, evidentemente, só cresceu: o verbo tornou-se
ato de coragem; o espírito discursista, inteligência; a palavra vazia,
eloqüência; e as leituras, ação. A causa real foi esquecida; bem mais,
puseram-se a desprezá-la; e do alto de uma satisfação metafísica de si,
consideraram todas as idéias revolucionárias, todas as tentativas
corajosas de protestação pública como fanfarronadas pueris. Falo com
conhecimento de causa, pois, nos anos 30, entusiamado pelo hegelianismo,
eu próprio incorri nesse erro.”

E, desta maneira, diferencia sua proposta de socialismo revolucionário de
um certo “revolucionarismo verbal”, que se caracterizaria muito mais pela
eloqüência e a violência do discurso, do que pelas ações de fato levadas a
cabo na prática. Refletindo sobre a ciência e o pensamento, Bakunin
insiste na coerência entre teoria e prática, pregando um socialismo
classista que exige, necessariamente, uma postura ética diante da
realidade a ser transformada. Enfatiza Bakunin neste seu texto:

“Nem a ciência nem o pensamento têm existência à parte, no abstrato; eles
só encontram sua expressão no indivíduo; todo homem ativo é um ser
indivisível que não pode simultaneamente buscar uma verdade rigorosa em
teoria e morder os frutos da mentira na prática. Em todo socialista,
inclusive o mais sincero, que pertence — não por seu nascimento (o que
ainda não significaria nada, pois quantas mudanças podem produzir-se nele
depois de seu nascimento!), mas por sua condição real — a alguma classe de
privilegiados que seja, isto é, às classes exploradoras, descobrireis
infalivelmente essa contradição entre o pensamento e a vida; essa
contradição decerto o paralisará, o reduzirá mais ou menos à impotência, e
ele não poderá tornar-se um socialista verdadeiramente sincero e ativo
senão rompendo resolutamente todos os seus laços com o mundo dos
privilegiados e dos exploradores, e renunciando a todas as vantagens que
esse mundo confere.”

O livro conta ainda com um ótimo prefácio de Alexandre Samis.


ANARQUISMO BÚLGARO EM ARMAS
Michael Schmidt * R$ 8,00 * 80 páginas * Faísca

Neste livreto publicamos uma história escrita pelo militante da Zabalaza
Anarchist Communist Front [Frente Anarco-Comunista Zabalaza], da África do
Sul, que trata de um episódio do anarquismo pouco conhecido entre os
brasileiros. O anarquismo na Bulgária, retratado em Anarquismo Búlgaro em
Armas traz ao leitor as experiências de organização e luta que se deram em
torno da Federação dos Anarco-Comunistas da Bulgária (FAKB) que, inspirada
na controversa Plataforma Organizacional publicada pelos russos exilados
do Dielo Truda em 1926, foi capaz reorganizar o anarquismo nos fins da
década de 1910 e conseguir transformá-lo na terceira maior força da
esquerda no país. A FAKB foi responsável por organizar movimentos de
trabalhadores rurais e urbanos, e trabalhar sua propaganda de maneira
efetiva, em meio a dois golpes fascistas (1923 e 1934) e às investidas
comunistas. Junto a esta história, publicamos a Plataforma da Federação
dos Anarco-Comunistas da Bulgária de 1945, documento programático que
reflete as posições da FAKB. De acordo com o autor:

“A Plataforma da FAKB trata de questões cruciais em termos de táticas e
organização, rejeitando a forma de organização em partido político, por
ela ser “estéril e ineficiente, incapaz de responder às metas, às tarefas
imediatas e aos interesses dos trabalhadores”. Ao contrário, ela defende a
“verdadeira força dos trabalhadores”, “a economia e suas organizações
econômicas. Somente aí está o campo em que o capitalismo pode ser minado.
Somente aí está a verdadeira luta de classes.” Em relação à organização, a
FAKB determinou que vários tipos de organização da classe trabalhadora são
indispensáveis e entrelaçadas, sem subordinação de uma à outra:
organizações ideológicas anarco-comunistas, sindicatos operários,
sindicatos de agricultores, cooperativas e organizações culturais e de
interesses específicos, por exemplo, de jovens e de mulheres.”

Sem dúvida, este é um livro que contribuirá para que seja possível
conhecer as experiências do anarquismo organizado, em outros momentos da
história, e em outras partes do mundo.


A INTERNACIONAL: DOCUMENTOS E RECORDAÇÕES: VOL. I
James Guillaume * R$ 32,00 * 232 páginas * Imaginário / Faísca

A publicação deste volume, para nós, é histórica. Há muitos anos o
tradutor insistia que deveríamos publicar esta obra de Guillaume, de
alguma maneira, pela importância da Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT), que ficou conhecida como Primeira Internacional, e
pela importância para os anarquistas desta obra, que relata, de maneira
detalhada, seus episódios. Conseguimos operacionalizar sua publicação em
diversos volumes, cujo primeiro fazemos agora o lançamento.

A obra, da qual extraímos parte para a publicação deste primeiro volume,
foi impressa originalmente em quatro tomos, abrangendo o período de 1864 a
1878. Foi reeditada, nos anos 1980, na Suíça e na França, em dois grandes
volumes, cada um com mais de 700 páginas. O presente volume fundamenta um
importante debate sobre a AIT que, sem dúvida, foi um dos grandes, senão o
maior, dos acontecimentos envolvendo diretamente a classe trabalhadora no
século XIX. Os documentos contidos neste volume, e nos demais que
completam a série, são por si só reveladores das relações que se
estabeleceram entre aqueles que ousaram criar uma esfera política a partir
das afinidades econômicas. E que, no influxo dos acontecimentos, lograram
redefinir as pautas políticas e estratégias das nações européias no
contexto do capitalismo nascente. A AIT também possui uma importância
central na história do anarquismo por ter sido em seu seio que o
anarquismo, como prática política coletiva e organizada, passou a existir.

TRECHO DA INTRODUÇÃO DOS EDITORES

Neste primeiro volume de A Internacional: documentos e recordações,
apresentamos o início desta monumental obra de James Guillaume.

Iniciando a primeira parte da obra, após um breve Prefácio em que o autor
explica sua origem e conteúdo, Guillaume trata, no Capítulo I, dos
primeiros passos da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT),
particularmente, e de maneira bem breve, de sua fundação em 1864, do
estabelecimento do Conselho Geral e da documentação que determinou suas
linhas gerais (estatutos e manifesto). Baseando-se nos fatos que
presenciou, Guillaume recorre ao Memoire de la Fédération Jurassienne para
tratar do início da AIT em diversas cidades na Suíça, assim como do
desenvolvimento das idéias, das mobilizações iniciais e dos periódicos.
Ele trata, também, da Conferência de Londres de 1865, que decidiu sobre o
primeiro Congresso de 1866.

No Capítulo II Guillaume trata deste primeiro Congresso da AIT, realizado
em Genebra, 1866. Recorrendo novamente ao Memoire, ele aborda a relevância
dos mutualistas parisienses nas discussões e da pouca influência que o
Congresso teve sobre os suíços, mas principalmente, das discussões que se
deram sobre os Estatutos da AIT. Naquele momento, a AIT era ainda um tanto
recuada, e colocava como objetivos agregar os trabalhadores em uma
associação, sem distinção política ou religiosa, para aproximar as classes
trabalhadoras dos diversos países. A delegação de 60 trabalhadores,
presente no Congresso, representou um contingente significativo de
trabalhadores da Inglaterra, França, Alemanha e Suíça. O que houve de mais
relevante foi a discussão e a adoção dos Estatutos definitivos, que
Guillaume trata de maneira bastante detalhada mostrando, inclusive, as
diferenças que houve em termos de tradução de uma língua para outra e os
reflexos políticos destas diferenças. Coloca, também, como foram se dando
as preocupações com o caráter de classe desta associação. Dentre as
conclusões, há o apontamento para o próximo Congresso, a ocorrer em 1867.
O capítulo termina com uma carta de Marx, que preferiu não ir ao
Congresso, ao dr. Kugelmann, em que revela que havia redigido o programa
dos londrinos, faz críticas aos franceses em razão da influência de
Proudhon, a quem critica significativamente, e defende a via política de
transformação.

O Capítulo III trata do desenvolvimento da Seção do Locle com sua
declaração de 1867 contra a insensata guerra entre Alemanha e França,
colocando que quando a AIT estivesse suficientemente forte, os
trabalhadores poderiam recusar-se às guerras. Conclui com um artigo
satírico seu, publicado na época, que zombava do tratamento que a
burguesia deu à declaração dos suíços.

No Capítulo IV o tema é o segundo Congresso da AIT, realizado em Lausanne,
1867. Guillaume utiliza o artigo “Memórias dos Congressos de Lausanne e
Genebra” para recordar deste Congresso e também do Congresso da Liga da
Paz e da Liberdade, que aconteceu em seguida, na cidade de Genebra.
Descreve os participantes do Congresso de Lausanne e suas características,
dentre eles: Walton, Eccarius, Swan, Lessner, Dupont, Chemalé, Murat,
Martin, Garbe, Pioley, Reymond, Tanari, Longuet, De Paepe e Kugelmann.
Passa pelos discursos de Coullery e chega às nove questões que compuseram
a ordem do dia em Lausanne: os meios práticos para tornar a AIT um centro
de ação para a classe operária, o crédito e os bancos populares, a
emancipação do proletariado e seus riscos, o trabalho versus o capital, a
educação e a questão da mulher, o Estado e as liberdades políticas. Foram
relevantes, neste Congresso, as afirmações do mutualismo, do federalismo,
a pregação do fim do salariato, o reconhecimento da importância da
educação, a relação entre a emancipação social e a emancipação política e
a afirmação do capitalismo como uma sociedade de classes dividida em
exploradores e explorados. O Congresso, ainda, tirou uma mensagem para o
Congresso da Paz em Genebra, decidiu que a sede do Conselho Geral ficaria
em Londres e apontou Bruxelas como cidade para o próximo Congresso.

O Capítulo V descreve o primeiro Congresso da Liga da Paz e da Liberdade,
realizado em Genebra em 1867. Utilizando a continuação do documento do
capítulo anterior, Guillaume relata os acontecimentos deste Congresso
passando por toda a expectativa que se deu em torno da presença de
Garibaldi e sua a relação com os delegados da AIT. Amplamente assistido, o
Congresso contou com uma série de discursos, sendo o mais esperado o do
próprio Garibaldi, que afirmou, entre outras coisas, a solidariedade entre
as nações, a destituição do papado, a religião de Deus – que justificava
como sendo a religião da verdade e da razão –, a democracia e o direito do
escravo para fazer guerra contra seus tiranos. Este e outros discursos
concretizaram uma disputa entre os setores mais à esquerda, dentre os
quais estava o socialismo da AIT, e outros setores mais conservadores. Os
setores à esquerda afirmavam a necessidade do socialismo, a sociedade de
classes, os males da religião, setor este que contou com o pronunciamento
de Bakunin, falando sobre a questão russa e o federalismo, e contra a
centralização e o nacionalismo. Os setores conservadores negavam a
sociedade de classes, eram anti-socialistas e tinham certa repugnância em
relação às reformas sociais. As conclusões do Congresso tentavam conciliar
todos os setores. Merece destaque o discurso de De Paepe sobre o
federalismo. O capítulo termina com uma discussão sobre uma versão
negligente dos Estatutos da AIT publicada na França.

O Capítulo VI trata da aproximação entre as seções suíças da AIT, as lutas
do Jura e a aliança entre alguns socialistas e conservadores. Guillaume
expõe a relação dos socialistas com os democratas radicais; os primeiros
tentavam uma aproximação com os segundos, que, diferentemente,
consideravam os primeiros seus inimigos. Por meio de alguns artigos
escritos para Diogène, Guillaume retoma as posições dos socialistas
suíços. Reconhecendo-se como uma juventude radical, filha dos
revolucionários de 1848, estes socialistas negam que os conservadores
possam ter influência na nascente juventude. No final do capítulo, o autor
discute as alianças de Coullery com os conservadores ex-realistas, a
criação do periódico La Montagne e os episódios que o terminaram colocando
Coullery no campo inimigo, como cúmplice e agente do partido conservador.
Tendo uma das razões deste conflito sido a questão eleitoral, os
socialistas do Locle suíço resolveram, daí para adiante, abster-se em
todas as eleições políticas.

O Capítulo VII traz interessantes relatos sobre a greve da construção
civil em Genebra e a AIT em Paris. A greve, que irrompeu em 1868, teve
grande repercussão; constituiu-se em solidariedade, quando seções das
fábricas de Genebra apoiaram as corporações da construção civil e
utilizaram seu fundo de greve para apoio aos grevistas. Houve participação
dos operários franceses, diferentemente das trade-unions inglesas, que
negaram apoio. Diante da intensa mobilização dos operários genebreses, os
patrões cederam a praticamente todas as reivindicações operárias, sendo
que Brosset teve destaque na luta – o que mereceu um manuscrito de
Bakunin, de 1871, em sua homenagem, e que consta neste capítulo. Depois,
Guillaume discute a AIT em Paris e o problema de o governo ter resolvido
dar fim na AIT e movido processos contra quinze de seus membros. O
resultado disso foi que a associação, em Paris, deixou de ter existência
legal, mas os membros continuaram ligados, individualmente, a uma
sociedade de tipo internacional com sede em Londres.

O assunto desenvolvido no Capítulo VIII é o terceiro congresso da AIT,
realizado em Bruxelas, 1868. O principal ato do Congresso foi a votação
sobre a questão da propriedade fundiária, tema que já havia sido objeto de
discussão no Congresso anterior. Foi aprovada a resolução de que minas,
pedreiras, ferrovias, solos aráveis, canais, estradas, vias de comunicação
e as florestas devem pertencer à coletividade social. O Congresso tratou
também da questão das ferramentas de produção e das máquinas, defendendo
que estas deveriam passar às mãos dos trabalhadores. Outra discussão
importante tratou da Liga da Paz e da Liberdade, tendo sido deliberado que
esta não tinha razão de ser, e recomendando que integrasse a AIT, o que
foi firmado em uma carta enviada ao Congresso de Berna da referida Liga. O
Congresso de Bruxelas declarou-se ainda contra a guerra, recomendando que
os trabalhadores se opusessem a ela, com greve se necessário. Finalmente,
outras seis questões foram tratadas: greves e sociedades de resistência,
instrução integral, crédito mutual, redução da jornada de trabalho,
cooperação e, finalmente, cadernos de trabalho.

Dois assuntos principais são tratados no Capítulo IX: o segundo Congresso
da Liga da Paz e da Liberdade em 1868 e a Aliança. Guillaume relata as
conseqüências que a decisão da AIT teve sobre a Liga e trata do trabalho
que Bakunin vinha desenvolvendo dentro dela, tentando convertê-la ao
socialismo. Em uma carta que Bakunin escreve a Vogt, então presidente da
Liga, é possível entender seus propósitos e expectativas; mesmo vendo-se
frustrado com a resolução da AIT sobre a Liga, trata da AIT com respeito e
admiração. No Congresso da Liga, em uma discussão sobre as relações da
questão econômica e social com a paz e a liberdade, Bakunin realizou um
discurso que, alem de defender a igualdade, negou o comunismo estatista e
afirmou o coletivismo. Apesar disso, a proposta dos socialistas foi
rejeitada. Discutiu-se também a separação entre a Igreja e o Estado. Ao
final do Congresso, um grupo de 18 socialistas – dentre eles Bakunin,
Reclus e Fanelli – separou-se da Liga por discordar de suas posições
contra a igualdade; este grupo, que constituiu imediatamente a Aliança
Internacional da Democracia Socialista. A Aliança constituir-se-ia como
ramo da AIT, dando certa continuidade ao projeto da Fraternidade,
desenvolvido por Bakunin no período em que esteve na Itália, assunto este
que Guillaume aborda recorrendo a um folheto russo do próprio Bakunin. O
autor mostra tanto as concepções da Fraternidade, quanto as da Aliança,
discutindo suas relações com a Liga da Paz e da Liberdade e depois com a
AIT.

O Capítulo X trata de várias questões. Começa pelos passos da Seção do
Locle e a polêmica que se deu entre os genebreses e o periódico La Voix de
l’Avenir de Coullery, por seus problemas de administração e suas críticas
a duas resoluções do Congresso de Bruxelas: primeiro em relação à
propriedade coletiva, por esta negar a propriedade individual, e segundo
pelas resoluções em relação à Liga da Paz, polêmica que contou com
argumentos do próprio Coullery e de De Paepe; no livro, Guillaume reproduz
os artigos em que se deu esta discussão. A Seção do Locle aderiu às
resoluções de Bruxelas, declarando-se socialista mutualista, e votou uma
mensagem aos democratas socialistas de Genebra. Além disso, o autor
apresenta o projeto da Sociedade de Crédito Mútuo, do Locle, que concedia
empréstimos sem juros e também da Sociedade de Consumo, uma cooperativa de
consumo que tinha por objetivo beneficiar os trabalhadores, e cujo
primeiro projeto foi a compra de um vagão de batatas.

Bakunin, sua estadia em Genebra e a fundação da Aliança são o tema do
Capítulo XI. Guillaume inicia falando da influência de Bakunin na Suíça e
da mensagem do Comitê genebrês da AIT aos espanhóis, com o programa da
Aliança, na qual se defendia a liberdade e a igualdade e se colocava a
necessidade da revolução social. Pelos problemas com Coullery e La Voix de
l’Avenir, coloca-se a necessidade de criação de um novo periódico. As
Seções de Genebra encarregaram-se de nomear uma comissão para decidir
sobre o novo jornal e outra para fazer um projeto de regulamento para uma
Federação das Seções Suíças de língua francesa, que se chamaria Federação
Românica. Criado em Genebra o bureau central da Aliança, seus membros
decidiram encontrar na cidade um grupo de aderentes que em outubro de 1868
encontrava-se com o nome de 85 pessoas, entre alemães, russos, poloneses,
franceses e suíços; no entanto, esta iniciativa terminou não tendo muito
sucesso. Fundada, a Aliança pediu entrada na AIT. O histórico de
frustrações em relação ao terreno eleitoral fez os suíços abraçarem
completamente a causa da revolução.

Guillaume inicia o capítulo XII tratando das primeiras atividades da
cooperativa de consumo. Tendo realizado a compra de dois vagões de
batatas, a cooperativa realizou significativo esforço para sua
distribuição entre os trabalhadores; com o sucesso da experiência, comprou
e distribuiu queijo. Mesmo com as frustrantes experiências no terreno
eleitoral, os internacionalistas do Locle tentaram ainda uma participação
no campo municipal, visando exercer influência sobre as o orçamento
municipal, os impostos e a educação; chamaram o povo para defender seus
próprios interesses. Esta tentativa também não obteve êxito, e com o
objetivo de expor à população o ocorrido na assembléia eleitoral surgiu Le
Progrès, que nasceu como um órgão da democracia radical. Guillaume trata
ainda, neste capítulo, da conferência dada pelo professor Buisson e da
mensagem de agradecimento a ele, que foi publicada no jornal.

Fechando este volume que agora publicamos, Guillaume trata, no Capítulo
XIII, das resoluções de Neuchâtel, que nomearam uma comissão para criar um
jornal, decidindo pela criação de L’Egalité, e outra para criar os
estatutos da futura Federação Românica, que adotou um projeto de Bakunin.
Guillaume publica a resposta de Bakunin, em apoio ao jornal, na qual
defende a AIT e critica o socialismo burguês; menciona também as adesões
francesas de Malon, Varlin, Reclus, as cartas de Jung e Eccarius e a
recusa de Marx, que se justificou dizendo que estava com problemas de
saúde e demasiadamente ocupado. Outros apoios chegaram: da Alemanha,
Becker; da Itália, Gambuzzi e Tucci; da Bélgica, De Paepe, além de um
apoio não-identificado da Espanha. Guillaume conclui o capítulo relatando
o episódio do pedido de adesão por parte da Aliança à AIT; coloca a
desconfiança de Marx, publica uma carta bastante elogiosa que Bakunin
escreveu a Marx explicando-lhe sua proposta de “igualização das classes e
dos indivíduos”, e enviando-lhe o programa da Aliança. Neste ínterim, o
Conselho Geral recusou a solicitação de adesão da Aliança, justificando
que um outro corpo internacional dentro da AIT tenderia a desorganizá-la,
realizando um paralelo entre esta decisão e aquela sobre a Liga da Paz e
da Liberdade do Congresso de Bruxelas. Em seguida Guillaume publica uma
carta de Marx comentando a correspondência de Bakunin a Jung e pedindo que
evitasse a aproximação que se evidenciava entre De Paepe e a Aliança.

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